Alguém ainda será preso pelo assassinato de Boris Nemtsov. Segundo dizem, o presidente russo, Vladimir Putin, está pessoalmente acompanhando o caso.
O que permanecerá, no entanto, não é um caso de homicídio, mas a imagem do opositor que personificou tantas esperanças da Rússia jazendo morto à vista da fortaleza do Kremlin e das cúpulas da catedral de São Basílio.
Alto, bonito, espirituoso e irreverente, Nemtsov foi um dos jovens brilhantes que eclodiram no cenário russo naquele emocionante momento em que o regime comunista caíra e uma nova era parecia iminente. Com 32 anos na época, era ainda mais jovem e mais impaciente que os demais.
Físico de formação, havia estreado na política se opondo à construção de uma nova usina nuclear na sua cidade. Nomeado chefe da província de Nijni Novgorod pelo novo presidente da Rússia, Boris Ieltsin, e confirmado no cargo pelo legislativo provincial, Nemtsov iniciou uma estonteante campanha para transformar a região, atraindo o apoio entusiasmado de diversas instituições ocidentais.
Não importava que a província fosse um polo dos setores militar e nuclear, que haviam passado décadas fechados aos estrangeiros; não importava que não houvesse nem mesmo dinheiro suficiente em circulação para o programa de privatização. Nemtsov não podia esperar para combinar com Moscou. Prosseguiu por conta própria, chegando até mesmo a emitir o seu próprio dinheiro —vales a serem posteriormente trocado por rublos, que ficaram conhecidos como “nemtsovkis”.
Isso foi muito antes de Putin transformar o Ocidente em inimigo e bode expiatório de todos os fracassos da Rússia.
Nemtsov e os outros “meninos de short rosa”, como os detratores se referiam aos jovens reformistas —Iegor Gaidar, Grigori Iavlinski, Anatoli Tchubais, Boris Fiodorov—, viam o Ocidente como um modelo e nele depositavam suas esperanças. Nemtsov orgulhosamente adotou o título ocidental de “governador” em lugar do burocrático “chefe administrativo”, usado nos tempos soviéticos (e hoje novamente).
Quando Allen Model, um amigo meu envolvido nos primeiros esforços de privatização em Nijni Novgorod, convidou Nemtsov para visitar os Estados Unidos, o jovem governador viajou correndo e passou umas duas semanas, absorvendo tudo o que viu.
Conheci Nemtsov em agosto de 1992, no gabinete dele em Nijni Novgorod, cidade que fora chamada de Gorki durante o regime soviético. Ele havia recrutado Iavlinski —o mais velho dos jovens reformistas, à época com 40 anos, e autor, nos últimos dias da União Soviética, de um programa de reforma econômica “dos 500 dias”, que Mikhail Gorbatchov lamentavelmente deixou de lado —para desenvolver um programa emergencial semelhante para Nijni Novgorod. O otimismo dominava a atmosfera.
Sem gravata e de calça amarela, o governador não parava quieto. Passou correndo por grupos que, parados à sua porta, lhe faziam súplicas; convenceu os telefonistas, havia meses sem receber salário, a não entrar em greve; e então, evidentemente ainda surpreso por ter entrado para o aparato do poder soviético, perguntou-me em tom de brincadeira se eu gostaria de ligar para alguém usando os telefones especiais que permitiam a comunicação entre os altos escalões da “nomenklatura”.
Sem tempo para uma entrevista, ele me enfiou na velha limusine Chaika dos seus antecessores soviéticos, fedendo a gasolina, para continuarmos conversando no caminho até Moscou.
Nijni Novgorod ficou conhecida como o “laboratório das reformas” e, em 1997, Ieltsin, o primeiro presidente da Rússia pós-soviética, convocou Nemtsov a Moscou para ser seu primeiro-vice-premiê e —imaginavam todos— o seu sucessor. Mas, então, a Rússia começou a tomar um rumo diferente. Ieltsin optou por Putin, e a estrela política de Nemtsov iniciou um constante declínio.
Com o tempo, ele se tornou um dos críticos mais ativos e constantes da autocracia corrupta que Putin desenvolveu e, mais recentemente, da agressão da Rússia contra a independência da Ucrânia. Recebia ameaças de morte regularmente e foi preso três vezes, mas, à medida que Putin dispersava a oposição com ameaças e prisões, a voz de Nemtsov se tornava cada vez mais débil.
Mas ele nunca parou. Em seus últimos dias, organizava uma passeata contra a guerra na Ucrânia, a qual se transformou, em vez disso, numa passeata em sua memória. Alguns manifestantes carregavam cartazes com a frase “Não tenho medo”, e outros prometiam continuar o trabalho de Nemtsov.
De longe, porém, parecia mais uma passeata em memória das esperanças e sonhos que jaziam ao lado do corpo de Nemtsov, assassinado no meio da noite, na ponte que dá na praça Vermelha.
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