Pouco antes das cinco da manhã, um segurança abriu o portão do Hospital Roosevelt para os pacientes que aguardavam na fila, no frio e no escuro, há mais de uma hora.
Eles foram entrando e disputando os primeiros lugares nos bancos perto das portas onde se liam as palavras “Urologia” e “Neurocirurgia”; alguns viajaram até oito horas, segurando nas mãos recomendações de médicos de todas as regiões do país para uma consulta no melhor hospital especializado que o sistema público de saúde da Guatemala pode oferecer.
“Nós éramos um povo que nunca reclamava. Os pacientes acham que a atenção que recebem é normal”, diz o Dr. Arnoldo López, pediatra do hospital, descrevendo a briga dos médicos para receber a verba de que necessitam.
Porém, em questão de meses, os guatemaltecos se livraram da resignação.
Em resposta a um escândalo de corrupção nacional, um movimento de protestos em massa derrubou o presidente, Otto Pérez Molina, no início de setembro. Dias depois, enquanto o ex-líder ia para a cadeia, à espera de julgamento por fraude e recebimento de propina, a população rejeitou os políticos de carreira, também suspeitos de corrupção, diluindo assim o poder dos partidos tradicionais.
Jimmy Morales, comediante sem experiência política, levou o primeiro turno com uma campanha cujo slogan era “Nem corrupto, nem ladrão”.
O verdadeiro teste agora é saber como essa nova ousadia e otimismo vão resultar em uma diferença palpável na vida dos guatemaltecos.
O levante foi impulsionado pelo abismo entre ricos e pobres, que acabou se transformando em um festival de troca de favores e corrupção entre os políticos, militares e a classe empresária privilegiada.
Esse sistema se locupletava dos recursos públicos – Pérez Molina é acusado de ser o líder de um esquema que desviou milhões de dólares em impostos alfandegários – e alimentava monopólios poderosos que incluíam canais de TV e a distribuição de remédios. Enquanto os cidadãos exigem mais mudanças, porém, a questão é até que ponto a elite política e empresarial vai ceder.
“Queremos gerar esperança porque o futuro é incerto”, afirma Andrés Quezada, 23 anos, um dos organizadores do primeiro protesto, em abril.
Quezada começou o movimento com um grupo de amigos. Uma página no Facebook, “Justicia Ya”, ou “Justiça Já”, se tornou fórum de discussões. A hashtag do grupo é “isso é só o começo”.
Segundo o Banco Mundial , a Guatemala é a maior economia da América Central, mas quase 50 por cento de suas crianças sofrem de desnutrição crônica, um dos maiores índices do mundo. O motivo? O país recolhe o valor mais baixo de impostos do planeta e investe o proporcional mínimo de sua economia em saúde, educação e infraestrutura.
Valerie Julliand, representante do Programa de Desenvolvimento da ONU na Guatemala, diz que quem domina o país é a elite urbana branca, mas que o verdadeiro rosto do país é o das jovens indígenas.
Morales, o comediante, se beneficiou de seu status de novato para levar o primeiro turno das eleições presidenciais e agora enfrentará Sandra Torres, uma ex-primeira-dama esquerdista, na segunda etapa, em 25 de outubro.
O presidente interino, Alejandro Maldonado, promete reformas – e vários grupos civis sugerem que elas devem começar pelo orçamento de 2016, principalmente em relação aos gastos com a saúde pública.
No Hospital Roosevelt, entretanto, os resultados ainda parecem uma promessa distante. Juan Pu Us, agricultor da região de Quiché, no noroeste, pediu emprestado mais de US$1.300 desde que a filha de 18 anos, María Elena, sofreu um colapso, em dezembro, devido a uma hemorragia cerebral, e teve que pagar para que uma ambulância a levasse para a capital, a oito horas de viagem.
Os médicos do hospital conseguiram operá-la com sucesso e há pouco tempo ela retornou para fazer um check-up. E talvez por isso Pu Us estivesse esperançoso em relação ao futuro depois do tumulto dos últimos meses, tanto em relação à sua família como do país.
“Se Deus quiser, a Guatemala vai melhorar. É bom protestar. Os líderes têm que se endireitar.”
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