Eles denunciam os blogueiros que ousam satirizar seu adorado presidente Mao; esquadrinham as salas de aula e jornais do país em busca de sinais de heresias liberais inspiradas no Ocidente e derrubam professores, jornalistas e todos aqueles considerados desleais à doutrina do Partido Comunista.
Os ideólogos maoístas chineses ressurgem depois de relegados ao deserto político, estimulados pelo tradicionalismo do presidente Xi Jinping e encorajados pelos decretos internos do partido cujo alvo são acadêmicos, artistas e membros considerados "insuficientemente patrióticos".
Foram esses "justiceiros" que tiveram participação na queda de Wang Congsheng, professor de Direito de Pequim que foi impedido de lecionar depois de publicar críticas ao partido. Outro alvo foi Wang Yaofeng, colunista de um jornal que defendeu os recentes protestos pró-democracia em Hong Kong e acabou desempregado.
"Desde que Xi assumiu o poder, a pressão e o controle sobre o pensamento livre se tornaram ainda mais intensos. Cada vez mais amigos e colegas meus se veem com medo, acuados", afirma Qiao Mu, professor de Jornalismo de Pequim destituído há poucos meses, em parte por defender eleições multipartidárias e a liberdade de expressão.
Depois de dois anos de ofensiva contra os dissidentes, Xi vem apertando o cerco contra os oponentes, ameaçando universidades, editoras e imprensa e encorajando os radicais.
Segundo a Xinhua, agência de notícias oficial, ele recentemente pediu às instituições que "reforcem o monitoramento sobre o desenvolvimento de ideias e mantenham um controle rígido sobre os conceitos ideológicos no ensino superior".
Em decretos internos, atacou o pensamento liberal, definido como "uma ameaça perniciosa que contamina os integrantes do partido" e pediu aos oficiais que expurguem o país das ideias que vão contra a base leninista-marxista da China moderna. "Não permitam que se preguem ideias contrárias às do partido, nem que se alimentem da comida comunista enquanto destroem as suas panelas", escreveu ele em comentários que surgiram na internet em outubro.
Os maoístas também ganharam novo fôlego graças a outro documento interno, o Número 30, que reforça os alertas para as noções de independência de imprensa inspiradas no Ocidente, "valores universais" e críticas a Mao que ameacem o partido.
"Xi Jinping trouxe uma mudança muito grande ao status quo, que abalou as estruturas", diz Zhang Hongliang, um neo-maoísta proeminente.
A velha guarda esquerdista chinesa constituída de oficiais da ativa e aposentados, filhos de veteranos, acadêmicos e jornalistas anti-Ocidente se baseia nos preceitos de Marx, Lênin e principalmente Mao para tentar reverter os efeitos das políticas de mercado livre do país e a disseminação de valores contrários aos que prega. E embora sua influência direta no sistema seja limitada, seus integrantes funcionam mais ou menos como inquisidores ideológicos.
As determinações de Xi acabam também com as suspeitas iniciais de que seu endurecimento fosse apenas de fachada para estabelecer sua credibilidade com os tradicionalistas que o levaram ao poder mas sua campanha incessante só fez encorajar os esquerdistas conservadores.
De acordo com o major-general aposentado Song Fangmin, o Documento Número 30 exige que universidades e outras instituições culturais promovam uma "limpeza" de ideias liberais baseadas no Ocidente. Ele explica que a diretiva complementa o Documento Número 9, promulgado por Xi em abril de 2013, lançando uma ofensiva contra ideias tais como a de uma "sociedade civil".
"Os dois documentos são de extrema importância, pois resumem discursos feitos pelo Secretário Geral", diz ele, referindo-se ao título do presente dentro do partido. "Eles identificam os alvos para que possamos treinar os olhos e encontrar os alvos rebeldes".
Ao contrário do Número 9, o 30 ainda não foi publicado abertamente, mas alguns comentários de Xi já aparecem em publicações oficiais e referências a ele já surgiram nos sites de universidades, organizações partidárias e grupos esquerdistas, destacando a forma como a diretiva se disseminou pelo governo para aumentar a pressão sobre os dissidentes. Esses efeitos já se fazem ver. Jornais acusam universidades de servirem de "incubadoras" para o pensamento anti-comunista e comitês do partido receberam ordens de aumentar o controle ideológico.
A campanha assusta os acadêmicos liberais, que temem que Xi desenterre a prática de denúncias de inimigos internos, raríssimas desde que Mao virou o país de cabeça para baixo com seu discurso contra o pensamento burguês. Alguns, como o historiador liberal Wu Si, vai mais longe e aposta que a realpolitik acabará forçando Xi a adotar uma posição mais moderada. "É uma estratégia de autodefesa contra quem tenta rotulá-lo de neoliberal", afirma.
Para os analistas, é pouco provável que Xi queira levar a China de volta à era puritana de Mao.
O policiamento ideológico preocupa a intelligentsia liberal chinesa. Alguns acadêmicos se recusaram a conceder entrevista, alegando que preferem se manter calados por enquanto; outros disseram que já passaram por um expurgo ideológico.
Desde outubro Qiao Mu, de 44 anos, foi relegado ao trabalho administrativo enfadonho de resumir livros de língua inglesa por defender um jornalismo no estilo ocidental e por sua ligação com grupos liberais de sociedade civil. Ele conta que além de não poder mais dar aulas, seu salário foi reduzido em 60 por cento. Oficialmente, está sendo punido por desafiar os superiores que lhe negaram permissão para viajar ao exterior para participar de uma conferência, mas a administração reconhece que a pressão veio de cima.
Alguns amigos sugeriram que ele fosse embora da China.
"Quero ficar na minha terra. Costumo dizer que aqui eu tenho tudo de que preciso. Menos liberdade", conclui.