No início deste ano, Sabine Hossenfelder, física teórica de Estocolmo, fez uma sugestão para muitos descabida: a de que a matéria escura pode causar câncer. Ela se referia às partículas hipotéticas sem luz que os cosmologistas acreditam permear o universo – e que, segundo a teoria, se atravessarem nosso corpo podem causar mutações no DNA, contribuindo, mesmo em níveis extremamente baixos, para o aumento na probabilidade de desenvolvimento da doença.
E isso foi só o começo: logo depois, Michael Rampino, professor da Universidade de Nova York, sugeriu que ela foi responsável pelas extinções em massa, incluindo a dos dinossauros.
A ideia é baseada nas especulações de outros cientistas de que a Via Láctea seja cortada, horizontalmente, por um disco bem fino do material – e conforme o Sol, em órbita ao redor da galáxia, atinge essa superfície por cima e por baixo, gera ondas gravitacionais fortes o bastante para desviar cometas distantes de suas órbitas, colocando-os em rota de colisão com a Terra.
É surpreendente ver algo tão abstrato quanto a matéria escura adquirir tamanha solidez, pelo menos na mente humana. O conceito foi criado no início dos anos 30 como uma suposição teórica, ou seja, um meio de explicar observações que, do contrário, não fariam sentido.
Não há gravidade suficiente para segurar uma galáxia inteira – a menos que se assuma que ela esconda um volume gigantesco de partículas invisíveis que nem emitem, nem absorvem a luz.
Supostamente cinco vezes mais abundante que tudo o que é visível aos olhos, a matéria escura é um componente da teoria das lentes gravitacionais, que reza que massas extremamente volumosas, como as galáxias, têm a capacidade de curvar os raios de luz e fazer as estrelas “surgirem” em partes inesperadas do céu.
Essa foi a explicação para a observação espetacular de uma “Cruz de Einstein”, ocorrida em março. Agindo como uma lente gigantesca, um núcleo de galáxias defletiu a luz de uma supernova em quatro imagens – ou seja, uma miragem cosmológica. A luz de cada reflexo seguiu uma direção diferente, permitindo um vislumbre de quatro momentos diferentes da explosão.
Porém, nem mesmo um grupo dessas proporções gera gravidade suficiente para distorcer a luz tão drasticamente, a menos que se postule que a maior parte de sua massa seja composta da hipotética matéria escura. De fato, os astrônomos têm tanta certeza de sua existência que adotaram a tal lente gravitacional como instrumento de mapeamento de sua extensão.
Em outras palavras, ela é usada para explicar as lentes gravitacionais que, por sua vez, são prova da existência da matéria escura.
Alguns céticos questionam se essa não é a versão moderna do que os astrônomos antigos chamavam de “salvação do fenômeno”, isto é, com um bom número de elaborações, uma teoria pode explicar o que vemos sem necessariamente descrever a realidade. O exemplo clássico é o do modelo geocêntrico do céu que Ptolomeu desenvolveu no Almagesto, com os planetas orbitando a volta da Terra em traçados complexos.
Aparentemente o autor não se importava se suas suposições eram verdadeiras ou não; crucial para ele era o fato de seu modelo funcionar na previsão dos movimentos planetários com grande precisão.
Só que os cientistas modernos se importam, sim, e para mostrar que a matéria escura existe fora de suas equações, estão tentando detectá-la diretamente.
A maioria dos teóricos acredita que ela consiste em partículas massivas que interagem fracamente (WIMP, na sigla em inglês) e construíram detectores subterrâneos para medir seu impacto na matéria comum – mas, até agora, não houve choques.
A Dra. Hossenfelder calcula que entre dez e algumas milhares de vezes por ano pode acontecer de uma WIMP atingir um de nossos átomos, incluindo os que formam o nosso DNA – e a energia resultante seria forte o bastante para interromper ligações moleculares e causar mutações.
Em relação ao câncer, a ameaça seria insignificante. Dois de seus colegas, Katherine Freese e Christopher Savage, estimam que os raios cósmicos que atravessam o corpo humano podem causar mais danos em um segundo que a matéria escura durante toda uma vida – mas, ainda assim, o efeito dessa matéria tem força bastante para que os cientistas já pensem em utilizar moléculas de DNA ou RNA como detectores de WIMPs.
Se essas partículas forem fictícias, alguma outra coisa terá que ser descoberta para explicar a massa que falta. Há algo muito estranho no universo e os astrônomos estão decididos a esclarecer por quê.
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