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O papa Francisco acredita que o desafio do nosso tempo é criar um sistema econômico que ofereça dignidade e vida decente para os pobres | Ciro Fusco/European Press Photo Agency
O papa Francisco acredita que o desafio do nosso tempo é criar um sistema econômico que ofereça dignidade e vida decente para os pobres| Foto: Ciro Fusco/European Press Photo Agency

Seus discursos podem misturar a fúria bíblica com a destruição apocalíptica. O papa Francisco não apenas critica os excessos do capitalismo global. Ele os compara com “o esterco do diabo”. Não apenas argumenta que a “ganância por dinheiro” sistemática é uma coisa ruim. Ele a chama de “ditadura sutil” que “condena e escraviza homens e mulheres”.

Durante uma visita recente a sua America Latina nativa, Francisco renovou as críticas de esquerda sobre as desigualdades do capitalismo, descrevendo-o como a causa subjacente da injustiça global e a principal das mudanças climáticas. Francisco reforçou essa linha de pensamento no começo de julho quando pediu uma desculpa histórica pelos crimes que a Igreja Católica Romana cometeu durante o período do colonialismo espanhol — e também quando apelou para um movimento global contra um “novo colonialismo” enraizado em uma ordem econômica injusta.

O papa argentino parece estar pedindo uma revolução social.

“Esta não é a teologia usual; isso é ele gritando do topo de uma montanha”, diz Stephen F. Schneck da Universidade Católica da América em Washington.

O último papa que se colocou tão corajosamente no centro do momento global foi João Paulo II, que durante os anos 1980 fez com que a igreja confrontasse o que muitos viam como um desafio daquela era, o comunismo. A mensagem anticomunista de João Paulo II encaixou-se nos interesses dos conservadores políticos, ávidos por um discurso mais duro contra a União soviética e, além disso, alinhou parte da hierarquia da igreja com a direita política.

Francisco definiu o desafio econômico desta era como a falência do capitalismo global de criar justiça, igualdade e vidas dignas para os pobres. As críticas cada vez mais ácidas do papa são feitas em uma época em que a maior parte da humanidade nunca esteve tão rica e tão bem alimentada – mas o crescimento da desigualdade e as repetidas crises financeiras inquietam os eleitores, os legisladores e os economistas.

O populismo de esquerda está surgindo em países imersos em turbulência econômica, como a Espanha, e, mais notavelmente, a Grécia.

Mesmo alguns campeões dos mercados livres estão, agora, reavaliando as deficiências do capitalismo desenfreado. George Soros, que ganhou bilhões nos mercados livres, e depois gastou boa parte do dinheiro promovendo sua propagação no leste europeu, agora argumenta que o pêndulo foi muito para o outro lado.

Vários estudiosos católicos poderiam argumentar que Francisco está apenas continuando uma linha de ensinamentos sociais do catolicismo que existe há mais de um século e foi abraçada até mesmo por dois de seus predecessores mais conservadores, João Paulo II e Benedito XVI. O papa Leo XIII foi o primeiro a pedir por justiça econômica para os trabalhadores em 1891, com sua encíclica “Rerum Novarum” — ou “Das Coisas Novas”.

Francisco tem um sentimento de urgência muito forte “porque esteve na linha de frente com pessoas reais, não apenas números e ideias abstratas”, explica Schneck. “Essa experiência de vida real de trabalhar com os mais marginalizados da Argentina tem sido a fonte de inspiração do pontífice.”

Francisco tem dito várias vezes que a mudança precisa vir das bases, seja das pessoas pobres ou das comunidades organizadas que trabalhem com elas. Para o papa, os pobres conseguiram um tipo de conhecimento que é útil e redentor, mesmo que a “cultura do descartável” os deixe de lado.

Na Bolívia, Francisco elogiou as cooperativas e outras organizações locais que, segundo ele, oferecem economias produtivas para os pobres. “Isso é muito diferente da situação que temos quando aqueles que são deixados de fora do mercado formal acabam explorados como escravos!”, disse ele uma noite.

Alguns, no entanto, acham seus comentários chocantes. “Preferia que Francisco focasse em coisas positivas, em como uma economia de livre mercado guiada por uma estrutura ética e pelas regras da lei pode ser parte de uma solução para os pobres”, afirma o reverendo Robert A. Sirico, presidente do Instituto Acton para o Estudo da Religião e da Liberdade, em Michigan, que apoia a economia de livre mercado.

Os críticos mais afiados de Francisco o acusam de ser um marxista ou um comunista latino americano, mesmo que ele tenha se oposto ao comunismo enquanto estava na Argentina.

O presidente Evo Morales da Bolívia, que usou um broche de Che Guevara em sua jaqueta durante um discurso de Francisco, afirmou que o papa é um espírito bondoso – mesmo quando Francisco pareceu surpreso na hora em que Morales lhe deu de presente um crucifixo em forma de foice e martelo.

O que mais interessa a Francisco é começar a renovar o catolicismo na América Latina e reposicioná-lo como uma igreja dos pobres. Sua desculpa pela cumplicidade da igreja na era colonialista foi muito bem recebido pelas pessoas.

Em várias partes da América Latina, a associação entre a igreja e as elites do poder econômico permanece intacta. No Chile, um país socialmente conservador, alguns membros da elite corporativa também fazem parte do Opus Dei, uma organização católica tradicionalista fundada na Espanha.

Nick Hanauer, capitalista de risco de Seattle, disse acreditar que Francisco estava falando de um ponto sutil do capitalismo, personificado pela alcunha de “hipoteca social” da riqueza acumulada – uma dívida com a sociedade que tornou a acumulação possível. Hanauer afirma que as elites econômicas deveriam abraçar a necessidade de mudança, tanto por razões morais quanto pragmáticas.

“Temos a escolha sobre o tipo de sistema capitalista que queremos”, diz Hanauer, hoje um declarado propositor de políticas de governo redistributivas como salários mínimos mais altos.

Francisco diz que não tem “receita” para mudar o mundo rapidamente.

“O que pode ser feito por aqueles estudantes, os jovens, os ativistas, os missionários que vêm até minha vizinhança com o coração cheio de esperanças e sonhos, mas sem qualquer solução real para os meus problemas?”, perguntou ele. “Muito! Eles podem fazer muito!”

“Vocês, os humildes, os explorados, os pobres e desfavorecidos podem fazer e estão fazendo muito. Eu até diria que o futuro da humanidade está em grande parte em suas mãos.”

Contribuíram Laurie Goodstein e Simon Romero

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