No final de março, alguns dias depois que minha mãe morreu de câncer, eu estava sentado em uma sala fria no norte da Inglaterra com minhas duas irmãs, enquanto um advogado lia o testamento dela.
Soubemos que suas modestas posses seriam divididas igualmente entre os três filhos, com uma exceção. “Sua coleção de mais de 3.000 livros irá para sua filha mais velha, Leanne”, disse o advogado.
Ao ouvir isso, minhas irmãs viraram-se para mim enquanto as lágrimas se acumulavam em meus olhos. Elas sabiam que minha mãe e eu havíamos partilhado uma sólida ligação com os livros. Minhas primeiras memórias são no quarto dela, vendo-a secar os cabelos segurando o secador com uma das mãos, enquanto com a outra lia um romance.
Minha mãe me ensinou o caminho dos mundos ficcionais de Harper Lee, Charles Dickens e Lewis Carroll. Aniversários e natais sempre eram ocasiões para presentes em formato retangular. E cada livro recebia uma breve dedicatória. “Querido Nick. Nunca viva sem belos livros. Com amor, Mamãe”, ela escreveu em um exemplar de “Guerra e Paz”.
Em 2011, quando eu ia me mudar de Nova York para a Califórnia, decidi deixar para trás a maior parte de meus livros, desistir dos impressos em favor do Kindle e depois do iPad. “Que diabos há de errado com você?”, me censurou pelo telefone. “Não o criei para ler em uma tela.”
Ela falava com paixão sobre a capacidade de cheirar as páginas de um livro enquanto o lia, sentir as bordas da capa dura em suas mãos. E de como as anotações deixadas dentro dele pelo leitor anterior (em geral ela mesma) poderiam provocar uma pausa.
Eu não cedi. Estava convencido de que a forma digital era o futuro. “Posso levar mil livros em meu bolso, enquanto você só consegue pôr dois na sua bolsa”, dizia.
Percebendo que eu não cederia, minha mãe tentou vir para o meu lado. Desta vez, segurou minha mão enquanto percorríamos os mundos digitais de Jeff Bezos e Steve Jobs. Mas seu Kindle (e depois um iPad) ficaram quase intocados na gaveta do escritório. Nos aniversários e nos natais, presentes pesados em forma retangular continuaram chegando à minha caixa de correio.
Então, em março, ela morreu.
Depois da leitura do testamento, minha irmã mais velha gentilmente se ofereceu para dividir a biblioteca de mamãe. Eu aceitei, agradecido. Então, algumas semanas depois, enquanto minha irmã mais moça examinava os objetos pessoais de mamãe, encontrou algo que pensou que eu poderia gostar. “Você quer o Kindle da mamãe?”, me perguntou.
Levar um Kindle em uma viagem longa é simplesmente mágico. Mas isso não quer dizer que ele sirva de lembrança dela. Quero poder cheirar o papel, ver sua caligrafia no interior, saber que folheou aquelas páginas e que um pouco dela ainda vive ali. Pensei na ironia das intermináveis discussões que tive com mamãe. Agora que ela se foi, eu só me importava com seus livros físicos.
Quando minha mãe se aproximava dos últimos dias, pediu-me para pegar seu livro preferido, “Alice no País das Maravilhas”. Por dentro da capa, ela escreveu algo para meu filho ainda não nascido, que então já aceitava que não conheceria: “Que sua vida seja cheia de palavras maravilhosas. Com amor, vovó”. Não especificou se essas palavras deviam ser impressas ou digitais.
Se ela estiver olhando para este quarto de criança agora, verá que o exemplar de “Alice no País das Maravilhas” está ali, ao lado de alguns de seus livros mais antigos, e uma crescente coleção de novos.