Poderia parecer estranho para um astro de filmes de ação como Bruce Willis estar na Broadway em um papel que ele descreve como “85 minutos deitado na cama e apenas alguns minutos fora dela”.
Mas foi no circuito independente off-Broadway, no final dos anos 1970 e início dos 1980, que o ator iniciou sua carreira. Aos 60 anos, ele está feliz por voltar ao palco. “É excitante”, diz.
Willis está ensaiando o papel de Paul Sheldon, autor de romances ameaçado por uma fã maluca na adaptação para a Broadway de “Misery”, livro de Stephen King de 1987.
A peça estreia no Teatro Broadhurst em Nova York em 22 de outubro. Laurie Metcalf vai interpretar Annie Wilkes, a psicótica que captura Paul.
Com exceção de uma remontagem de “Fool for Love”, de Sam Shepard, que ele produziu em Idaho nos anos 1980, Willis permaneceu longe dos palcos na maior parte de três décadas.
No entanto, o dramaturgo Dennis Watlington, que dirigiu o jovem Willis em “Bullpen”, passada em uma cela de detenção da polícia, lembrou-se de “um sujeito da classe trabalhadora de Nova Jersey que sabia atuar com firmeza e ser verossímil”. Apesar de Willis ter precisado de uma boa dose de direção, “ele aceitou bem”.
Willis já interpretou vários escritores no cinema, como um roteirista de TV em “A História de Nós Dois” e um jornalista beberrão em “A Fogueira das Vaidades”. Até Bombay Brian, o mercenário vestido de Kevlar que ele interpreta no próximo filme de Barry Levinson, “Rock the Kasbah”, está escrevendo suas memórias. No filme, Brian enfrenta o ataque de um chefe guerreiro rival porque lhe disseram que isso daria um bom final para seu livro.
No romance de Stephen King, Paul se descreve como um escritor de dois tipos de livros —“bons e best-sellers”— e considera uma injustiça que as pessoas ignorem seu material de qualidade em favor de textos semieróticos que apresentam a órfã casadoura Misery Chastain.
De maneira semelhante, Willis sempre alternou o trabalho em franquias que dão muito dinheiro com papéis em filmes mais artísticos e independentes, como os recentes “Looper: Assassinos do Futuro” ou “Moonrise Kingdom”.
Assim como Paul, que faz tentativas periódicas em um realismo duro, Willis ocasionalmente mostra o desejo de se expandir como artista. Porém, público nem sempre aprova.
Ainda assim, muitos dos “best-sellers” de Willis são muito bons (os primeiros filmes “Duro de Matar”, por exemplo), e alguns dos bons independentes se transformaram em campeões de venda, como “Pulp Fiction”.
Willis, por sua vez, alega que não diferencia entre grandes e pequenos projetos. Escolhe os filmes, diz ele, não por causa dos ingressos que venderão, mas porque gosta do diretor, dos outros astros, da equipe, da história.
Paul se sente oprimido por seus fãs e suas expectativas, os leitores que sentem que o conhecem pessoalmente e a suas criações fictícias. “Você deve ser um homem bom, ou não poderia ter criado uma pessoa maravilhosa e adorável como Misery Chastain”, borbulha Annie.
Muitas pessoas também acreditam conhecer Willis só por tê-lo visto na tela. Ele teve inúmeros encontros desconfortáveis com fãs, mas afirma que não lhes deu muita atenção. “Vamos falar sobre outra coisa”, diz.
Tudo bem quanto às semelhanças. Agora eis a grande diferença: enquanto Willis muitas vezes tem desempenhos sóbrios, quase taciturnos, ele nunca interpretou um personagem tão imobilizado.
Seria preciso procurar em peças de Beckett como “Fim de Partida” ou “Dias Felizes” para encontrar personagens com um âmbito de ação menor que Paul, que começa “Misery” tendo as duas pernas esmagadas em um acidente de carro.
Sob os cuidados maníacos de Annie, ele adquire ferimentos novos e piores, especialmente em uma terrível cena de tortura, cuja simples menção ainda provoca arrepios nos que viram a versão para o cinema de 1990, com James Caan e Kathy Bates, intitulado no Brasil como “Louca Obsessão”.
Assistir a um homem que geralmente faz tanto ser obrigado a fazer tão pouco é uma das grandes atrações de “Misery”. “É por ser tão brilhante como astro de ação que o público vai querer ver o que ele faz quando é obrigado a ficar deitado na cama”, escreveu em um e-mail William Goldman, que adaptou o script do livro de King e de seu próprio roteiro.
Paul “está preso no palco —literalmente”, disse o diretor, Will Frears. Para interpretar esse papel, “você precisa de um atleta”, acrescentou ele. “Precisa de alguém que quer saltar de um arranha-céu. Quando você não permite isso, toda a paixão e a vida são forçadas a entrar na linguagem.”
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