Juntei o equivalente a uma semana de restos de alimentos para fazer um almoço apetitoso para os fungos, insetinhos e minhocas na composteira do meu quintal.
Na noite seguinte, meu jantar me fez pensar que meu tempo teria sido melhor gasto se eu tivesse juntado tudo em um bom vinagrete e comido eu mesmo.
O local era o restaurante de Dan Barber em Manhattan, o Blue Hill. Durante três semanas, ele converteu o local em um pop-up chamado wasteED onde, junto com seus cozinheiros, vendia espinhas de peixe, vegetais feios e deformados, pão amanhecido e outros itens nem sempre considerados comida por US$15 o prato.
Essa atitude foi um protesto contra a forma com que americanos desperdiçam comida enquanto milhões passam fome. A pobreza forçou 6,8 milhões de famílias nos Estados Unidos a comer menos do que o normal durante 2013, ano com as mais recentes estatísticas governamentais disponíveis. Ao mesmo tempo, 60 bilhões de quilos de comida disponíveis para os consumidores vai para o lixo todo ano.
Em sua busca por ingredientes negligenciados, Barber e sua equipe saíram pela cidade à caça de alimentos rejeitados. De um fornecedor, vieram as feias folhas externas do repolho chinês e da erva-doce, couve-rábano e maçãs para uma “salada de legumes da lixeira”, temperada com um vinagrete de pistache moído, molho de estragão e espuma branca feita com o líquido das latas de grão de bico batido.
A polpa de sucos foi tingida de uma cor de carne razoavelmente convincente pelo suco de beterraba, moldada em hambúrgueres e colocada em pães “readaptados”. O spaghetti mais irregular, resto dos lotes de massa, foi fervido junto, alguns fios ficando mais moles e outros mais duros, e foi servido com um molho leve de peixe, feito de tripa de tamboril e cabeças de peixe defumadas.
O chef convidado da noite, Philippe Bertineau, do bistro de Alain Ducasse, o Benoit, apareceu com uma terrine de miúdos, croquete de pé de porco e guisado de língua intercalado com foie gras, um lembrete de que a culinária francesa do interior tem uma longa tradição de transformar restos em delícias.
No meio do jantar, Barber veio para a mesa com uma folha de papel manteiga contendo uma ossada de peixe do tamanho de uma baguete. “Eu cresci comendo isso”, disse. Ele não se referia aos ossos, que eram de um bacalhau, mas à carne branca brilhante vendida como a de um peixe de qualidade inferior. Quando o peixe é fatiado, alguma carne sobra na carcaça. Soltei a carne dos ossos com uma colherinha. Estava uma delícia. Entre as garfadas, experimentava extremidades de cenoura crocantes com pele de peixe frita.
Foi uma das minhas melhores refeições em um restaurante dos últimos tempos. A comida estava ótima, cheia de surpresas que acontecem quando os cozinheiros têm uma inspiração criativa. Tudo estava maravilhoso, com algumas exceções.
O pão “readaptado” não ganha do pão de batata do Martin. Tive alguns problemas com o tamboril frito, que veio em um formato de V, e as melhores partes ficavam presas nas dobras. Para apreciá-lo mais regularmente, eu precisaria ter um focinho. Além disso, as bolachinhas servidas junto com o caldo feito de aparas de carne seca quase não tinham sabor. Foram feitas de milho do campo, aquele usado para preparar xarope de milho, alimentar gado e produzir etanol. Ele é cerca de 99 por cento do milho plantado no país, e é o único ingrediente utilizado no wastED que acho que os seres humanos nunca deveriam comer.
Nosso comida é produzida e consumida em uma teia extremamente complexa. Não é fácil mudá-la, certamente não com três semanas em um caro restaurante de Manhattan.
Porém, as percepções mudam, e rapidamente. Pão de forma branco era um item prestigiado em 1960. Ninguém liga muito para ele hoje. Durante anos nossa cultura de restaurante atribuiu um imenso valor aos ingredientes puros e caros. E se todo mundo que pode frequentar restaurantes como o Blue Hill aprendesse a gostar de legumes machucados porque eles foram transformados pela habilidade e engenhosidade de um chef? O que poderíamos fazer com os ingredientes que qualquer um pudesse preparar? É uma ideia instigante.
Por enquanto, sempre que um dos meus filhos se queixar do jantar, vou silenciá-lo dizendo que uma vez comi lixo e gostei.