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Ciência

Patentes criam um abismo

Na Índia, poucas mulheres com câncer de mama conseguem pagar pelo tratamento. Pacientes com câncer de mama em Delhi | Lynsey Addario/The New York Times
Na Índia, poucas mulheres com câncer de mama conseguem pagar pelo tratamento. Pacientes com câncer de mama em Delhi (Foto: Lynsey Addario/The New York Times)

Alka Kudesia precisa de um remédio caro para tratar um câncer de mama, mas se recusa a falar sobre isso com seus filhos. "Mal estamos conseguindo pagar o tratamento que estou fazendo. Meus filhos estão apenas começando suas vidas. Eu não quero ser, de modo algum, um fardo para eles", afirmou Kudesia, de 48 anos. O Herceptin, medicamento do qual ela necessita, é um dos tratamentos mais eficazes para uma forma agressiva de câncer de mama. Entretanto, um tratamento com o medicamento custa pelo menos US$ 18 mil na Índia e apenas um número pequeno de mulheres consegue fazê-lo.

O governo do país ameaçou permitir a produção de versões genéricas menos custosas do Herceptin. A Roche Holdings da Suíça, fabricante do medicamento, renunciou em grande medida aos direitos de patentes no ano passado, porque concluiu que perderia para o tribunal indiano em uma disputa judicial.

A discussão sobre o Herceptin e outros medicamentos contra o câncer tem a ver, em parte, com uma fase recente e importante dos esforços para tornar os medicamentos acessíveis a populações mais pobres. A iniciativa iniciou de verdade há mais de uma década, quando os defensores da ideia realizaram uma campanha de sucesso que visava tornar os medicamentos contra a AIDS acessíveis a milhões de africanos. "O câncer é o próximo problema depois do HIV e a luta apenas começou", afirmou Shamnad Basheer, professor de Direito da Universidade Nacional de Ciências Jurídicas de Bengala Ocidental, de Calcutá.

Os executivos da indústria farmacêutica mundial — que dependem cada vez mais da venda de medicamentos para mercados emergentes como Índia, China e Brasil — afirmam que o empenho da Índia em quebrar patentes ameaça o sistema de descoberta de medicamentos e é pouco eficaz na solução dos problemas de saúde dos pacientes locais.

"Estamos abertos à discussão com o objetivo de encontrar a melhor forma de levar medicamentos novos aos pacientes. Todavia, uma sociedade que quer desenvolver novos medicamentos e tecnologias precisa recompensar o empenho de inovação através de uma proteção sólida da propriedade intelectual", afirmou Daniel Grotzky, porta-voz da Roche.

Alguns especialistas da área de saúde afirmam que é mais importante investir no diagnóstico precoce do câncer de mama e na melhora da qualidade de exames, cirurgias e acesso à radioterapia do que na obtenção de remédios caros.

Com os avanços mundiais no combate à desnutrição e a doenças contagiosas, mais pessoas estão atingindo a terceira idade e morrendo de enfermidades crônicas como doenças cardíacas e câncer. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2012 surgiram 14,1 milhões de novos casos de câncer e ocorreram 8,2 milhões de óbitos pela doença em todo o mundo. Além disso, o número de casos de câncer de mama vem aumentando. Aproximadamente 6,3 milhões de mulheres conviveram com a doença em 2012. O câncer de mama é diagnosticado em aproximadamente 115 mil mulheres na Índia todos os anos e em torno de 54 mil morreram pela doença em 2008, de acordo com a OMS.

Há mulheres pedindo dinheiro para seus tratamentos nos cruzamentos de Nova Delhi. Existem apenas 21 centros de oncologia na Índia para atender a 1,2 bilhão de pessoas. O governo indiano prometeu criar mais 50 nos próximos anos, embora especialistas afirmem que mesmo esse número seria insuficiente.

Um dos maiores produtores mundiais de medicamentos genéricos, a Índia questiona há muito tempo os direitos de patentes de medicamentos. O país já decidiu pela quebra de patentes que favoreciam a venda com exclusividade desses medicamentos contra o câncer: Gleevec, da Novartis – comercializado nos EUA – Sutent, da Pfizer e Tarceva, da Roche. Em 2012, o governo decidiu pela validade da patente que protegia o Nexavar, da Bayer, medicamento contra o câncer, embora o tivesse afastado de todo modo, uma vez que uma fabricante de medicamentos genéricos prometeu baixar o preço de um mês de tratamento de US$ 4.500 para aproximadamente US$ 140.

A Indonésia e as Filipinas aprovaram leis de patentes recentemente baseadas no modelo indiano, e legisladores do Brasil e da Colômbia planejaram seguir seu exemplo. Em novembro, a Biocon, fabricante de medicamentos indiana, anunciou que obteve aprovação para uma versão genérica e menos custosa do Herceptin, que a empresa espera começar a vender este ano.

Aproximadamente 25 mil indianas seriam beneficiadas pelo tratamento com o Herceptin todos os anos, mas apenas 1.500 quando muito conseguem realizá-lo, de acordo com Kalyani Menon-Sen, representante dos interesses de pacientes em Nova Delhi.

Alka já tem dificuldades para pagar pelos medicamentos genéricos mais baratos. Ela precisa de mais tratamento, mas não tem dinheiro.

Alka Kudesia afirmou que "não pode contar a seus filhos sobre a existência de outro medicamento que a ajudaria".

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