ON-LINE: volta ao passado
Cenas com atores negros pintados, enjaulados e acorrentados: nytimes.com Busque "human zoo"
Jelle Saminnadin faz o papel de uma odalisca negra, uma escrava congolesa que se olha no espelho. Uma faixa de couro envolve sua cabeça e a prende à cama, numa cena que imita um zoológico humano do início do século 20.
A imagem faz parte de uma dúzia de retratos vivos mostrados numa instalação de arte itinerante, "Exhibit B", do dramaturgo e artista sul-africano Brett Bailey.
Segundo ele, a instalação é uma crítica que expõe as raízes do racismo nos zoos humanos populares dos séculos 19 e 20, que percorriam grandes cidades da Europa.
Mas as performances silenciosas vêm suscitando discussões e manifestações de repúdio na Europa em relação aos limites entre liberdade artística e exploração.
Os atores da "Exhibit B" passaram mais de quatro anos percorrendo um circuito europeu sem chamar muita atenção. Eles se apresentaram numa loja de gelo na Alemanha, no Palácio de Hofburg, em Viena, e numa igreja antiga em Avignon, performance saudada pelo jornal francês "Le Monde" em 2013 como "uma cerimônia grandiosa, a meio caminho entre uma revelação e uma oração".
Inicialmente a obra atraiu poucas manifestações, mas, com a atenção crescente, a oposição ganhou força. Em setembro, centenas de manifestantes se reuniram diante de um teatro de Londres para exigir o cancelamento de sua abertura, e seu pedido foi atendido. Agora grupos franceses estão exigindo a suspensão das performances previstas para este mês, descrevendo-as como uma afronta à dignidade humana.
Diretores de museus e teatros dos 14 países que já receberam a instalação divulgaram uma carta denunciando a censura e defendendo "Exhibit B" como uma obra "sutil e compassiva" que já atraiu mais de 25 mil espectadores. "Vejo o impacto sobre os espectadores", disse Saminnadin. "As mulheres, em especial, choram. É como se compartilhassem o sofrimento."
O criador do espetáculo, Brett Bailey, 47, disse que teve a inspiração para criar o trabalho em 2010, depois de ler sobre os zoológicos humanos. Esse fenômeno se alastrou pela Europa e chegou aos EUA, onde em 1906 um homem congolês foi exposto na casa dos macacos do zoológico do Bronx, armado com arco e flechas.
"Os zoos humanos legitimaram o processo colonial ao desumanizar as pessoas", comentou Bailey. "Os colonizadores invadiam as terras de outros povos e destruíam seus sistemas sociais, culturais e políticos, retratando esses povos como bárbaros. Essas imagens legitimaram o sistema com o qual eu cresci, o apartheid."
No Musée de Ste.-Croix, em Poitiers, na França, Bailey rearranjou as pinturas a óleo do século 19 para corresponder a símbolos de seus retratos vivos.
"Lembrem-se", disse a seus atores, "vocês são os verdadeiros espectadores, e eles, os atores."
Em um dos quadros vivos, uma mulher sentada ao lado de um grande caldeirão, segura um crânio e um caco de vidro. Uma placa relata como mulheres africanas em um campo de concentração da Alemanha do Sudoeste (atual Namíbia), colonizada pela Alemanha, ferviam e raspavam crânios que eram enviados à Alemanha.
É um passado sombrio que ainda pesa sobre museus e outras instituições. O governo canadense está discutindo a repatriação dos crânios de cinco inuítes de Labrador que estão no Musée de lHomme, em Paris. Os inuítes morreram de varíola enquanto estavam sendo expostos num zoo humano no parque do Jardin dAcclimatation, em Paris, em janeiro de 1881. Durante um ensaio geral, um coral namíbio cantou em uma cena em que os cantores estavam encapsulados em pilares brancos, com apenas as cabeças para fora. Ao lado, um homem somali estava sentado numa fileira de assentos de avião, com o cinto afivelado e sua boca fechada com fita adesiva. Diante dele, uma lista de 14 pessoas que pediram asilo na Europa desde os anos 1990 e morreram de asfixia ou ataque cardíaco quando eram repatriadas à força. Os críticos da instalação não aceitam a explicação de Bailey que afirma fazer uma denúncia do racismo, especialmente pelo fato de ele ser branco e de os atores negros permanecerem em silêncio.
"O espetáculo mostra uma mentira", disse John Mullen, professor de História na universidade de Paris Leste. "As vítimas negras estão em silêncio, imóveis e convertidas em objeto de fetiche. Os colonialistas não estão presentes."
Mullen organizou um abaixo-assinado pedindo o cancelamento dos espetáculos em Paris. A petição já recebeu 19 mil assinaturas. Ele faz parte de um grupo recém-formado, "Contra o Exhibit B", que está deitando as bases legais para contestar a performance por considerá-la uma afronta à dignidade humana.
"Vejo esse espetáculo como uma exploração de corpos negros", disse o cantor de rap e electro Bams. "Os artistas são reduzidos a objetos."
Em St.-Denis, o novo diretor do teatro, Jean Bellorini, disse que as quatro noites do espetáculo estão com ingressos esgotados.
"Não há nada de degradante no espetáculo", disse. "O show nos força a analisar a história e a questionar muito claramente como chegamos a onde estamos."
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