Tudo começou nos carrinhos de bate-bate no parque de diversões infantis do shopping. Lucy tinha 12 anos, e um grupo de garotos adolescentes oferecia sorvete e ingressos gratuitos a ela e suas amigas depois da escola.
Com o passar do tempo, homens mais velhos foram apresentados às meninas e os garotos saíram de cena. Em pouco tempo as meninas ganharam caronas em carros de verdade, e os homens lhes ofereciam vodca e maconha.
Um paquistanês com o triplo da idade de Lucy a enchia de elogios, comprava bebidas e até lhe deu um celular. Lucy gostava dele.
Os estupros começaram pouco a pouco, uma vez por semana e então de modo diário: ao lado do memorial de guerra no Clifton Park, numa viela ao lado da rodoviária, em inúmeros táxis e, uma vez, num apartamento, onde Lucy foi trancada num quarto, nua, e obrigada a transar com seis homens.
Eles sabiam onde ela morava. "Se você não voltar, vamos estuprar sua mãe e obrigar você a olhar", diziam à menina.
À noite, ela voltava para casa e escondia suas roupas manchadas no fundo do guarda-roupa. Quando, pouco antes de completar 14 anos, ela finalmente criou coragem de contar tudo à sua mãe, dois policiais vieram recolher as roupas como provas. Havia meia dúzia de sacos de roupas.
Mas alguns dias mais tarde eles telefonaram para dizer que os sacos tinham sido perdidos. Lucy recebeu pelo correio um cheque de 140 libras (R$ 546) por bens perdidos, e a família foi desencorajada de levar o caso à Justiça. Era a palavra da menina contra a dos homens. O caso foi arquivado.
Investigadores dizem hoje que, durante 16 anos de um reinado de terror e impunidade nesta cidade pobre de 257 mil habitantes no norte da Inglaterra, pelo menos 1.400 crianças, algumas com apenas 11 anos, foram aliciadas para serem exploradas sexualmente, enquanto as autoridades fizeram vista grossa para o que acontecia.
Uma menina disse que os estupros coletivos faziam parte do processo de crescer. Entre 1997 e 2013, apenas um processo foi a julgamento, envolvendo três garotas adolescentes, e cinco homens foram condenados à prisão.
O chefe da polícia e o líder do Conselho Metropolitano de Rotherham renunciaram após o escândalo, com pressão vindo até do premiê britânico, David Cameron. A investigação continua e as vítimas processaram a polícia e o Conselho por negligência.
Todas as vítimas em Rotherham eram brancas, enquanto a maioria dos agressores era de origem paquistanesa; muitos trabalhavam em setores ativos à noite, como os táxis e os restaurantes de entrega em domicílio.
A situação foi a mesma nos casos levados a julgamento recentemente em Oxford, no sul da Inglaterra, e nas cidades de Oldham e Rochdale, no norte do país, onde em 2012 nove homens de origem paquistanesa, bengalesa e afegã receberam sentenças longas de prisão por abusos sexuais contra 47 meninas. Investigadores teriam descoberto um padrão semelhante de abusos sexuais em cidades na Escócia.
Como disse Nazir Afzal, promotor público chefe em casos envolvendo violência sexual, e ele próprio de origem paquistanesa, "não há como fugir do fato de que há gangues paquistanesas aliciando meninas vulneráveis".
De acordo com Alexis Jay, ex-inspetora-chefe de serviços sociais encarregada pelo Conselho de Rotherham de realizar uma investigação independente do caso, após uma série de reportagens no "The Times", o aliciamento tende a seguir um padrão comum. Começa com um período de "namoro" com rapazes em locais públicos e é seguida pela introdução de cigarros, bebida alcoólica e às vezes drogas mais fortes. Em seguida, inicia-se um relacionamento sexual com um homem, que vira o "namorado" e mais tarde exige que a menina transe com seus amigos.
Depois, chegam as ameaças, a chantagem e a violência que impediram tantas meninas de levar a público o que estavam sofrendo. Cada vez mais, as meninas foram sendo vendidas ou trocadas por drogas ou armas. Eram levadas de carro a cidades como Sheffield, Manchester e Londres. As vítimas e os pais de vítimas que chegaram a pedir ajuda foram, na maioria dos casos, abandonados pela polícia e os serviços sociais. "Ninguém pode fingir que não sabia", disse Jay. Alguns pais foram multados por fazer a polícia perder tempo. Alguns policiais e autoridades disseram que não fizeram nada por medo de serem acusados de racismo. Mas Jay disse que houve sexismo institucional durante anos.
Policiais aludiam às vítimas como "vagabundinhas", e na ata de uma reunião sobre uma menina violentada por cinco homens, um investigador disse saber que ela tinha sido "100% consensual". A menina tinha 12 anos. "Em muitos casos as meninas foram tratadas com desprezo absoluto", disse Jay.
Lucy, que hoje tem 25 anos mas tem medo de informar seu sobrenome porque, segundo ela, os homens que a vitimaram ainda moram nas redondezasse recorda de ter sido interrogada por policiais que repetidas vezes descreveram seu estuprador principal como seu "namorado". Sua mãe disse que Lucy passou anos em depressão e com anorexia. Hoje ela trabalha como consultora em questões de exploração sexual infantil. "Dizem que essa gente procura meninas vulneráveis", disse sua mãe. "Bom, é claro que elas são vulneráveis. Elas são inocentes. São crianças."
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