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Boa parte dos dez por cento de lixo não coletados e os dos 40 por cento do esgoto não tratados terminam na Baía de Guanabara no Rio De Janeiro | ana carolina fernandes para The New York Times
Boa parte dos dez por cento de lixo não coletados e os dos 40 por cento do esgoto não tratados terminam na Baía de Guanabara no Rio De Janeiro| Foto: ana carolina fernandes para The New York Times

Nico Delle Karth, velejador austríaco que se prepara para as Olimpíadas de 2016, disse que era o lugar mais nojento onde já treinou.

Havia lixo balançando na superfície, indo de pneus de carro a colchões. A água fedia tanto por causa do esgoto que ele ficou com medo de botar o pé dentro dela para impulsionar o barco da praia.

"Nunca vi nada assim antes", Delle Karth afirmou a respeito da Baía de Guanabara, Rio de Janeiro, que abrigará os eventos olímpicos da vela e do windsurfe.

Agora que o Brasil corre para terminar estádios para o início da Copa do Mundo de futebol de 2014 em 12 de junho, o país enfrenta críticas mordazes pela forma com que tem tratado seu próximo megaevento, as Olimpíadas de 2016.

Francesco Ricci Bitti, presidente da Associação das Federações Internacionais Olímpicas de Verão, afirmou que os jogos do Rio se encontravam na "posição mais crítica" de qualquer Olimpíada de que ele pudesse se lembrar. John D. Coates, vice-presidente do Comitê Olímpico Internacional, declarou no mês passado que os preparativos do Rio eram "os priores que eu já vi", onde ainda não foi iniciada a construção do complexo esportivo de Deodoro, o segundo mais importante depois do Parque Olímpico.

A Baía de Guanabara se tornou o principal foco das reclamações, transformando as águas poluídas do Rio de Janeiro em símbolo das frustrações com os preparativos problemáticos.

"Bem-vindo ao lixão que é o Rio", disse a equipe de vela alemã numa avaliação tipicamente rude.

Os brasileiros que aqui treinam concordam.

"A coisa pode ficar muito nojenta, com carcaças de cachorro em alguns lugares e água ficando marrom por causa da contaminação com o esgoto", disse Thomas Low-Beer, 24 anos, promissor atleta brasileiro que navega na baía. Ele deu de ombros ao lembrar como seu barco bateu no que parecia um sofá, jogando-o nas águas turvas.

Embora os representantes internacionais reclamem que o Brasil já teve quase cinco anos para trabalhar desde que foi escolhido sede, parte dos atrasos provém dos problemas crônicos que a nação combate há muito tempo. As tentativas de limpar a baía se mostram decepcionantes há décadas, prejudicadas pela má gestão e suposta corrupção. As rivalidades políticas entre as esferas de governo levaram a brigas, incluindo o impasse sobre quem deveria pagar por certos projetos olímpicos. Protestos contra despejos reduziram o ritmo da construção.

Vários entre os 12 estádios que devem sediar jogos da Copa do Mundo ainda não estão prontos, enquanto uma série de projetos de trânsito só será finalizada após o fim da competição. Oito trabalhadores foram mortos em acidentes em estádios da Copa do Mundo.

Proximidade das Olimpíadas denuncia falhas do Rio

Contudo, a preparação para a Olimpíada pode ser mais desafiadora. As autoridades brasileiras sustentaram que os recintos usados nos Jogos Pan-Americanos de 2007 poderiam ser reformados a baixo custo. Porém, no ano passado foi preciso demolir o velódromo por não atender ao padrão olímpico. Agora o Rio pretende construir uma nova estrutura que custará dez vezes mais do que o original. Greves retardaram a reforma no estádio do Engenhão, utilizado nos Jogos Pan-Americanos e que se pretendia reempregar como sede dos eventos de atletismo em 2016, depois que ele ficou fechado no ano passado por temores de que sua cobertura pudesse desabar.

Dirigentes olímpicos têm dito que os jogos não serão tirados do Rio. Eduardo Paes, prefeito do Rio, declarou aos jornalistas que ele e outras pessoas envolvidas tinham "muita certeza" de que cumpririam as promessas de terminar as instalações a tempo.

O ministro dos esportes brasileiro, Aldo Rebelo, criticou os boatos de que os dirigentes olímpicos cogitavam mudar a sede dos jogos. "Podem ter certeza de que isso não passa de blefe", ele assegurou. Citando os acordos de patrocínio firmados para os jogos do Rio, o ministro disse duvidar que o Comitê Olímpico quisesse perder esses negócios.

De todos os desafios, despoluir a Baía de Guanabara pode ser o mais complicado.

As autoridades prometeram atacar o problema depois da Cúpula da Terra, a Rio 92. O governo do Estado do Rio garantiu mais de US$ 1 bilhão em empréstimos do Japão e do Banco Interamericano de Desenvolvimento para projetos de despoluição, os quais, no entender de especialistas em ambiente, nem de longe podem ser considerados bem-sucedidos. O Instituto Estadual do Ambiente estima que mais de dez por cento do lixo da cidade não é coletado, e boa parte dele termina na baía.

Grandes quantidades de esgoto bruto vazam nas águas. As autoridades definiram como meta tratar 80 por cento dele até as Olimpíadas, mas menos de 40 por cento são atualmente tratados. Chamando a baía de "escura, parda e fedorenta", Lars Grael, 50 anos, velejador brasileiro que ganhou duas medalhas olímpicas, disse ter encontrado corpos humanos quatro vezes enquanto navegava em suas águas. Ele declarou aos jornalistas que as autoridades deveriam mudar os eventos de vela para uma área de balneário a horas de carro dali.

Carlos Portinho, subsecretário de Estado do Ambiente, afirmou que as críticas em relação à Baía da Guanabara eram exageradas, argumentando que testes recentes da contaminação fecal na área da regata olímpica estavam dentro dos padrões "satisfatórios" no Brasil.

Portinho declarou que as autoridades têm empregado três pequenos "ecobarcos" para coletar o lixo. Ainda segundo ele, até as Olimpíadas de 20 a 30 podem estar em operação. De acordo com Portinho, novas usinas de tratamento de esgoto estavam sendo construídas, enquanto "ecobarreiras" flutuantes facilitariam a coleta de lixo na baía.

Especialistas afirmam que as iniciativas são insuficientes.

"O governo poderia empregar porta-aviões para coletar o lixo da baía e o problema não seria resolvido", disse Mario Moscatelli, biólogo. "A baía ainda é uma latrina. É um insulto ao povo do Rio afirmar que ela estará limpa para as Olimpíadas".

Contribuiu Miriam Wells

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