O Boeing 737 laranja e branco se parecia com qualquer outro avião no Aeroporto Internacional de Orlando, na Flórida. Mas em julho passado, ele se tornou o primeiro voo comercial abastecido com um novo combustível feito de cana de açúcar.
O voo, operado pela companhia aérea brasileira GOL, voou da Flórida para São Paulo com uma mistura de 10 por cento de um líquido claro chamado farnesane com combustível comum de aviões.
Este ano, o farnesane tornou-se o terceiro tipo de combustível renovável a receber a aprovação da agência de normas ASTM International, além dos feitos de algas e sementes, aprovados nos últimos anos.
Outras companhias aéreas comerciais estão considerando o uso do farnesane, disse John Melo da Amyris, empresa de biotecnologia na Califórnia que desenvolveu o farnesane em uma joint venture com a Total, a gigante francesa de energia.
Em setembro, um avião de passageiros da companhia aérea alemã Lufthansa voou de Frankfurt para Berlim com o farnesane, que pode ser misturado diretamente com o combustível à base de petróleo, a uma proporção de 10 por cento, sem qualquer necessidade de alteração nos aviões, nos motores ou nos equipamentos de abastecimento.
O farnesane é feito através de um processo de fermentação em que o fermento desenvolvido pela Amyris consome xarope de cana de açúcar para produzir o hidrocarboneto de mesmo nome.
Biocombustíveis renováveis como o farnesane prometem maior segurança energética, além da redução de emissões de carbono e custos de combustível uma preocupação crescente agora que autoridades internacionais se preparam para reforçar a regulamentação.
A indústria global de aviação também estabeleceu metas ambiciosas para reduzir os gases de efeito estufa, incluindo a diminuição de 50 por cento das emissões até 2050, em comparação com 2005.
Para alcançar essas metas, os combustíveis renováveis podem ser uma parte da equação. O farnesane pode reduzir emissões de gases de efeito estufa em até 80 por cento em comparação com combustíveis de petróleo, quando não misturado ao combustível tradicional na base de um para um, de acordo com a Amyris.
No entanto, existem grandes obstáculos na ampla adoção de biocombustíveis: seu alto custo e as barreiras à produção em massa.
Há a preocupação da substituição de culturas alimentares por culturas de combustível e a destruição de florestas. Os biocombustíveis não são uma panaceia, disse Ben Schreiber, do grupo ambiental Friends of the Earth. "Eles podem ser algo negativo se houver superprodução".
Companhias aéreas como a United, a KLM e a Alaska Airlines já possuem aviões abastecidos com combustível feito de algas, óleo vegetal de cozinha usado e plantas como a camelina e o pinhão-manso. Apesar da euforia inicial, as companhias aéreas comerciais não adotaram amplamente os biocombustíveis, principalmente por causa de seu alto custo.
Mas o farnesane poderia ser mais viável comercialmente porque é produzido numa fábrica da Amyris no Brasil, que tem uma robusta política e infraestrutura para promover e produzir biocombustíveis.
A fábrica da Amyris no estado de São Paulo tem uma capacidade de produção de 50 milhões de litros por ano. A empresa atualmente fornece combustível renovável para ônibus urbanos no Brasil.
O Brasil é o maior produtor mundial de cana de açúcar, e o segundo maior produtor de etanol.
Por causa dessa grande infraestrutura de biocombustível, milhões de litros de farnesane poderiam ser produzidos no Brasil, disse Melo. Nem a distribuição seria um empecilho. O farnesane pode ser facilmente distribuído às companhias aéreas, ele disse.
Daniel Rutherford, do Conselho Internacional de Transportes Limpos, observou que, na avaliação ambiental global dos benefícios do biocombustível, "o que realmente importa é seu modo de produção". E acrescentou que a indústria de cana de açúcar do Brasil é altamente produtiva e com baixo consumo de combustível fóssil. No entanto, a melhor maneira de "evitar a substituição alimento versus combustível" seria produzir biocombustíveis de resíduos como palha de milho e casca de árvore, através de tecnologia que ainda está sendo desenvolvida, disse ele.
De acordo com rigorosos testes feitos por fabricantes como a Boeing, o farnesane e outro biocombustível aprovado realmente têm um desempenho melhor do que o combustível convencional.
Eles também são mais limpos do que o combustível de aviação convencional, disse Julie Felgar da Boeing Commercial Airplanes. Por causa de investigações minuciosas, os biocombustíveis precisam de um "desempenho tão bom quanto, ou melhor que o do combustível tradicional", ela disse.
Este é um objetivo difícil de alcançar porque o combustível da aviação é mais complexo do que o combustível para carros.
Mas para a Amyris e outros fabricantes de biocombustível, o maior desafio é baixar o custo.
Se o preço do farnesane cair, o biocombustível pode se tornar a norma para as companhias aéreas, disse Melo. "A escolha não será Devo escolher combustível renovável ou não?, mas sim Devo escolher um produto melhor ou não?"