O presidente Vladimir V. Putin se tornou extremamente popular deixando os russos cada vez mais ricos e prometendo recuperar o status de grande potência do país, mas agora que o governo já prevê que a economia combalida entrará em recessão no ano que vem, essa fórmula corre perigo.
As más notícias econômicas não param de pipocar: o preço do petróleo atingiu o preço mais baixo desde 2009; o rublo sofreu uma desvalorização de 40 por cento em relação ao dólar só em 2014; a inflação deve subir nove por cento este ano e continuar crescendo; a fuga de capital deve chegar a US$128 bilhões.
O Kremlin sofreu o colapso do Estado soviético e um calote do governo durante longos períodos de baixa no preço do petróleo, o que leva a crer que a mudança da situação representa desafios extremos. Os especialistas, porém, afirmam que o país está muito mais forte hoje que nos anos 80 e em 1998, épocas das crises anteriores, principalmente no setor privado, bem mais robusto.
Putin já engavetou os planos de megaprojetos como o do gasoduto South Stream para enviar gás para o sul da Europa e o do trem de alta velocidade de Moscou a Kazan, a leste da capital.
Alguns analistas acreditam que as mudanças afetem também a área política, com o presidente tentado a suavizar sua posição agressiva e anti-Ocidente; outros, porém, temem que ele faça justamente o contrário, alegando que sua necessidade de distrair a atenção dos problemas econômicos possa inspirar outras aventuras nacionalistas no exterior, semelhantes à anexação da Crimeia.
"É uma realidade completamente nova para Putin, afinal toda vez que a Rússia quis que o preço do petróleo subisse, ele subiu. Sempre teve sorte, mas desta vez, nem tanto", afirma o conceituado economista Sergei M. Guriev, que fugiu e vive no exílio desde o ano passado.
A Rússia é extremamente dependente do petróleo, que representa cerca de 60 por cento de suas exportações. Com o colapso dos preços coincidindo com a grave turbulência econômica decorrente das sanções do Ocidente por causa da desestabilização da Ucrânia, Putin está arriscado a perder o motor que deveria levar a nação de volta ao cenário mundial.
Para os especialistas, o problema mais sério da Rússia é a crise financeira. O país deve quase US$700 bilhões aos bancos ocidentais, quantia essa representada em grande parte pelas empresas estatais que constituem o cerne de sua economia; o problema é que as sanções impostas pelos EUA e Europa sobre a anexação da Crimeia e a operação no sul da Ucrânia bloquearam o acesso ao financiamento do Ocidente. A dívida ameaça enxugar a reserva em moeda estrangeira do Kremlin, que é de US400 bilhões.
Em relação ao temor pelo preço do petróleo, Putin disse que os preços se mantiveram altos o suficiente no primeiro semestre do ano para financiar o orçamento e que o país terá que "esperar para ver" o que acontece no ano que vem.
E também tentou mostrar que a desvalorização do rublo pode ser útil. "Costumávamos vender em dólares e receber 32, 35 rublos; com o câmbio de hoje, obtemos 45, 47 ou até 48 rublos por cada dólar do que vendemos. Nesse aspecto, a receita também aumentou", comentou Putin. Desde então, esse número subiu para 54.
O Ministro das Finanças, Anton Siluanov, chamou o relatório que prevê a recessão de uma "estimativa preliminar" que não foi aprovada ainda pelo gabinete todo. Os problemas retardaram ou enterraram de vez os planos de aumentar os salários, melhorar a saúde pública e baratear a moradia, projetos definidos em uma série de decretos populistas que Putin anunciou no primeiro dia de seu terceiro mandato, em 2012.
"A Rússia está numa crise econômica; é claro que agora todos esses planos grandiosos são irrelevantes", comenta o analista econômico independente Kirill Rogov. E seus efeitos estão apenas começando: uma vez que os russos como os aposentados, por exemplo perceberem que o rublo está perdendo o poder de compra, certamente vão exigir um aumento para poder continuar comprando tanto quanto antes. Só que a prioridade é o socorro às estatais.
"O problema é que ele não pode mais cumprir as promessas econômicas, então vai tentar resgatar a nostalgia pós-imperialista; vai dizer que não somos mais ricos, mas pelo menos somos temidos", comenta Guriev.
Entretanto, o tom da propaganda na TV estatal mudou do triunfalismo para a determinação de que os russos são capazes de qualquer sacrifício para superar os EUA. Um outdoor instalado recentemente no principal cruzamento em Sadova, perto do Moscou, proclamava: "Há coisas mais importantes na vida que o mercado financeiro", fazendo referências à história russa.
"Deixaram a ideia de grandeza para falar das dificuldades, resultado do combate à dominação norte-americana. A missão ganhou uma definição diferente", diz o oposicionista Vladimir Milov.