Pierre e Viviane recorreram ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos para manter seu filho vivo| Foto: Herve Oudin/Agence France-Presse

Pelo menos sete vezes, o doutor Nicolas Bonnemaison preparou sozinho e em segredo uma dose letal de sedativo e deu fim à vida de um paciente em coma.

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O doutor Bonnemaison, médico socorrista e especialista em cuidados paliativos na cidade de Bayonne (sudoeste da França), agia sem pedir a opinião de outros médicos e enfermeiros ou das famílias de seus pacientes moribundos, e não registrava seus procedimentos no intuito de ocultá-los. Ele admitiu tudo isso abertamente em um tribunal, afirmando que o sentido do dever o fazia agir fora da lei, a fim de poupar seus colegas e os entes queridos de seus pacientes do pesado fardo dessa decisão. Ele foi acusado pela morte premeditada de sete pessoas.

"Você queria proteger todos —os pacientes, as famílias, a equipe médica— por compaixão", disse um promotor público ao doutor Bonnemaison. "Ser compassivo demais é julgar os outros dispensáveis. É livrá-los de uma responsabilidade que, na realidade, cabe a eles."

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"Eu agi como médico até o final", disse Bonnemaison ao tribunal em junho. O júri o absolveu. A sala do tribunal, repleta de apoiadores do médico, irrompeu em aplausos.

Há muito tempo os médicos na França têm grande poder de decisão sobre manter ou não a vida das pessoas sob seus cuidados.

Para pacientes impossibilitados de se comunicar, um médico francês pode legalmente suspender o tratamento ou fazer um procedimento que encerre suas vidas, desde que a intenção seja aliviar o sofrimento, e não matar. Pela lei, as opiniões de membros da família e de outros médicos devem ser ouvidas, porém não necessariamente aceitas.

Todavia, um número crescente de pacientes e famílias franceses afirma querer participar desse tipo de decisão e desafia o papel do médico como árbitro da vida.

Em junho, pela primeira vez um tribunal superior acatou um pedido para anular a decisão de um médico de deixar um paciente morrer. Uma proposta bipartidária para uma nova legislação sobre o término da vida deverá ser apresentada ao presidente, François Hollande. E promotores estão apelando pela reconsideração da absolvição de Bonnemaison.

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"Nesse caso, estamos diante de alguém que, por ser médico e achar que deve pensar pelos outros, está convencido de que pode decidir no lugar dos outros", analisou o doutor Régis Aubry, presidente do Observatório Nacional sobre o Término da Vida da França, que pesquisa práticas médicas ligadas a esse tema. "Acho isso assustador."

O movimento para "contar tudo ao paciente", que surgiu há décadas nos EUA, começou a se disseminar há pouco tempo na França, comentou Isabelle Baszanger, socióloga que estuda o atendimento a pacientes terminais.

Para o doutor Aubry, novas circunstâncias "estão nos obrigando a adotar uma visão bem mais ampla sobre a questão da responsabilidade".

Em muitos países, pressões demográficas põem em relevo o atendimento a pacientes terminais. O envelhecimento das populações e os custos médicos crescentes fazem os governos buscarem um difícil equilíbrio em políticas públicas relativas às últimas semanas ou meses de vida.

A posição da França foi codificada em uma lei em 2005. Enquanto países da Europa legalizaram a eutanásia ou o suicídio com assistência médica nos últimos anos, os legisladores franceses deram mais poderes aos médicos para decidir se vale a pena lutar pela vida dos pacientes.

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Cerca de 57% das 570 mil mortes registradas na França em 2012 ocorreram em hospitais, quase o dobro do índice registrado nos EUA. Um relatório recente do Instituto Nacional de Estudos Demográficos da França calculou que metade das mortes anuais era precedida pela decisão do médico de limitar o tratamento ou aumentar as doses de analgésicos ou sedativos.

Boa parte do debate atual na França se concentra no caso de Vincent Lambert, que ficou tetraplégico devido a um acidente de carro há seis anos e é mantido em estado vegetativo. Com o apoio da mulher de Lambert, um médico da cidade de Reims retirou duas vezes seu tubo de alimentação; os pais de Lambert, Pierre e Viviane, que acreditam que a saúde de seu filho pode melhorar, obtiveram dois mandatos judiciais para mantê-lo vivo.

Em junho, o caso foi parar no tribunal do Conselho de Estado, que decidiu que Lambert, atualmente com 37 anos, deveria ter permissão para morrer; inconformados com a decisão, seus pais recorreram ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

Antes do acidente, Lambert, que é enfermeiro psiquiátrico, dizia que não queria ser mantido vivo se um dia ficasse gravemente debilitado, segundo sua mulher e outros parentes. Diante disso e de anos de terapias sem êxito, os médicos de Lambert opinaram que continuar a tratá-lo seria uma "teimosia insensata", posição que não é apoiada pela lei de 2005.

Antes de retirar o tubo de alimentação de Lambert, porém, o doutor Éric Kariger, o principal médico envolvido no caso, não havia consultado os membros da família, conforme é exigido por lei.

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Posteriormente, o doutor Kariger consultou a mulher e os pais de Lambert e novamente retirou o tubo de alimentação.

"Eu disse a eles para serem firmes, pois a decisão era minha, não deles", disse o doutor Kariger. "E que eles não tivessem qualquer sentimento de culpa."

Para muitos franceses, é justamente o fato de médicos serem profissionais guiados por princípios médicos e legais —não pela emoção ou experiência subjetiva— que justifica seu encargo de tomar decisões para pôr fim a vidas. Famílias podem se guiar "apenas pelas emoções", disse Jean Leonetti, cardiologista e legislador que acompanhou a aprovação da lei de 2005 no Parlamento.

No julgamento do doutor Bonnemaison, vários médicos admitiram ter dado fim intencionalmente às vidas de pacientes. Até o momento não surgiram acusações contra eles.