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Realidade inóspita frustra sonhos de riqueza no Ártico

No Oregon (EUA), manifestantes tentam bloquear a saída de um quebra-gelo em direção ao Ártico | Don Ryan/AP
No Oregon (EUA), manifestantes tentam bloquear a saída de um quebra-gelo em direção ao Ártico (Foto: Don Ryan/AP)

O aquecimento do Ártico já deveria ter transformado esta empobrecida vila de pescadores no mar de Barents. O Kremlin gastou bilhões de rublos para transformá-la em um polo da gigante energética Gazprom no norte da Rússia. Tratava-se do mais ambicioso projeto já planejado no oceano Ártico. No entanto, agora resta pouca coisa além de uma sede empresarial fechada e uma estrada de cascalho esculpida no inóspito litoral.

“Há planos”, disse Viktor Turchaninov, prefeito do vilarejo, “mas os fatos —a realidade da vida— sugerem o contrário”.

O sonho de riqueza no Ártico, estimulado pelo rápido aquecimento de águas outrora congeladas, está há mais de uma década no centro das ambições nacionais da Rússia e das maiores companhias energéticas do mundo. A experiência russa, no entanto, deve servir de alerta, ilustrando os desafios impostos a quem imagina que as mudanças climáticas resultariam em riquezas de gás e petróleo. Mudanças dramáticas na economia energética global, a feroz oposição dos ambientalistas e obstáculos logísticos formidáveis estão moderando o entusiasmo. Após anos de planejamento e atrasos, o projeto de prospecção da Shell nas tempestuosas águas do mar de Chukchi está agora sendo observado como um teste definitivo para a viabilidade da produção no Ártico.

A Shell já gastou US$ 7 bilhões nesse projeto e nos últimos meses enfrenta dificuldades semelhantes àquelas que afetaram uma malfadada prospecção há três anos —incluindo protestos, duras condições meteorológicas e um acidente, em julho, que abriu um rombo num dos navios da empresa após uma colisão contra um banco de areia.

Apenas sete anos atrás, a Shell e outras empresas —a americana ConocoPhillips, a norueguesa Statoil, a espanhola Repsol e a italiana ENI— pagaram US$ 2,7 bilhões por licenças para explorar campos de gás e petróleo na costa do Alasca. Na época, o barril do petróleo havia chegado a quase US$ 150, e a rápida contração do gelo que cercava o Ártico parecia facilitar a exploração.

Só que o mercado mudou. O mundo de hoje está cheio de petróleo e gás natural, em grande parte por causa da revolução do xisto nos EUA e do advento de fraturamento hidráulico. A Arábia Saudita e outros países do golfo Pérsico estão produzindo em níveis máximos, e as reservas do Irã poderão em breve inundar o mercado. Só no ano passado o preço do petróleo caiu de mais de US$ 90 para menos de US$ 50 por barril.

Em todo o Ártico, da Rússia e Noruega ao Canadá, projetos de exploração em alto mar decepcionam. Após perfurar oito poços na costa da Groenlândia em 2011 e 2012, a empresa escocesa Cairn Energy os abandonou. A Chevron cancelou em dezembro a prospecção em águas canadenses do mar de Beaufort, e em junho um consórcio que incluía ExxonMobil e BP fez o mesmo. As sanções impostas pelos EUA à Rússia após a anexação da Crimeia por Moscou, no ano passado, obrigaram a ExxonMobil a se retirar de uma joint venture no mar de Kara com a gigante petrolífera estatal Rosneft, que por sua vez precisou suspender os seus planos de perfuração nessa região enquanto busca novos parceiros.

As dificuldades para extrair petróleo e gás no Ártico são assustadoras. Os invernos são longos e escuros, e o mar, apesar da redução na cobertura permanente de gelo, ainda fica obstruído por banquisas e icebergs. Além disso, tempestades cada vez mais intensas ameaçam navios e plataformas petrolíferas, inclusive durante o verão boreal.

Teriberka, aldeia de mil moradores na costa do mar de Barents, é onde as ambições marítimas da Gazprom colidiram com a dura realidade do Ártico. Nos tempos soviéticos, Teriberka foi uma próspera vila de pescadores com fábricas de processamento de peixe. No entanto, a cidade entrou em declínio na década de 1970, com o advento da pesca industrial. A população, que era de aproximadamente 6.000 habitantes, despencou.

A vila comemorou os planos da Gazprom de explorar um enorme campo de gás a cerca de 600 km da costa, chamado Shtokman, que foi descoberto em 1988. Após acordos com a Total e a Statoil, a Gazprom começou a construir uma estrada em Teriberka, onde esperava levantar terminais para o processamento e envio do gás na forma liquefeita.

Depois de anos de trabalho, no entanto, os planos russos para o projeto passaram a enfrentar a pressão dos enormes desafios técnicos, das mudanças no mercado energético e, finalmente, da crise financeira global de 2008.

A Rússia, como o maior produtor mundial de gás natural, se viu em dificuldades para concorrer com suprimentos alternativos para países da Europa interessados em reduzir a sua dependência em relação ao governo de Vladimir Putin. A Statoil abandonou o projeto em 2012 e lançou em seu balanço um custo total de US$ 335 milhões. A Total contabilizou um gasto de US$ 350 milhões no ano passado e, segundo a imprensa russa, devolveu em junho à Gazprom sua participação de 25% no projeto.

O Ártico está no centro das ambições nacionalistas de Putin, que disse certa vez que a extração dos recursos naturais na região era tão natural quanto caçar ou colher frutas e cogumelos. Apesar de a Gazprom ter prometido retomar a prospecção —primeiro em 2014, depois em 2016 ou 2019—, os moradores de Teriberka estão resignados com o boom que nunca aconteceu. As empreiteiras já foram embora, e o enorme aterro onde a Gazprom construiu uma estrada de cascalho termina num penhasco rochoso.

Teriberka é mais conhecida atualmente como a locação de “Leviathan”, filme indicado ao Oscar que retrata a luta de um homem contra um burocrata que deseja se apossar da amada casa do homem junto à baía.

“Construíram a estrada”, disse Igor Abanosimov quando um vizinho lamentou as poucas mudanças trazidas pelo projeto. Abanosimov é dono de casas flutuantes que ele aluga, sonhando, de maneira improvável, atrair turistas em vez de empresas energéticas. O Ártico, disse ele, tem alma própria.

“Quem ele quer aceitar, ele aceita”, afirmou. “Quem ele quer expulsar, ele expulsa.”

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