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Rebelião e fé inclinam garotas ao extremismo

A partir do alto: Khadiza Sultana, Shamima Begum e Amira Abase no aeroporto de Gatwick | Andrew Testa / The New York Times
A partir do alto: Khadiza Sultana, Shamima Begum e Amira Abase no aeroporto de Gatwick (Foto: Andrew Testa / The New York Times)

Na noite antes de partir para a Síria, Khadiza Sultana dançou em seu quarto. Era uma segunda-feira nas férias escolares. Sua sobrinha de 13 anos —apenas três anos mais jovem que Khadiza— tinha vindo para passar a noite em sua casa. As duas meninas riam, girando ao som da música. Khadiza ofereceu seu quarto à sobrinha e dividiu a cama com sua mãe. Era uma filha amorosa, especialmente desde a morte de seu pai.

Salva no celular de sua sobrinha e vista dezenas de vezes desde então por membros da família, a cena no quarto mostra a Khadiza que seus familiares pensavam que conheciam: uma garota alegre, sociável, divertida e gentil.

Porém, como ficaria claro, a cena foi também o adeus cuidadosamente coreografado de uma adolescente que passou meses planejando como deixar sua casa em Bethnal Green, na zona leste de Londres, com duas colegas de classe, para seguir o caminho de outra amiga que tinha viajado para o território controlado pela facção terrorista Estado Islâmico.

Na manhã de terça, Khadiza disse à sua mãe que passaria o dia na biblioteca. Prometeu retornar às 16h30. Quando não tinha voltado às 17h30, sua mãe pediu à irmã mais velha de Khadiza, Halima Khanom, que lhe mandasse uma mensagem. Não houve resposta.

Khanom, 32, foi até a biblioteca, mas a irmã não estava lá. Quando voltou para casa, sua mãe já tinha descoberto que o guarda-roupa de Khadiza estava vazio. Na manhã seguinte, a família informou à polícia do desaparecimento. Três agentes do SO15, o esquadrão de contraterrorismo da Polícia Metropolitana, bateram na porta. Um deles disse à mãe de Khadiza: “Achamos que sua filha viajou à Turquia com duas amigas”.

Khanom viu sua irmã depois disso na televisão: imagens granulosas de câmeras de segurança mostravam Khadiza e suas duas amigas de 15 anos, Shamima Begum e Amira Abase, passando calmamente pela segurança no aeroporto de Gatwick para embarcar no voo 1966 da Turkish Airlines para Istambul e, mais tarde, subindo num ônibus rumo à fronteira da Síria.

As imagens converteram as três meninas de Bethnal Green no rosto de um novo fenômeno: jovens que se rendem à atração de algo que especialistas como Sasha Havlicek, do Instituto de Diálogo Estratégico, descreve como uma subcultura de “girl-power” jihadista. De acordo com o instituto, cerca de 4.000 ocidentais já partiram para a Síria e o Iraque para ingressar no EI, sendo mais de 550 meninas e mulheres jovens.

As mulheres ocidentais do EI apoiam os esforços do grupo para construir um Estado, atuando como esposas, mães e divulgadoras on-line. Muitas são solteiras, geralmente adolescentes ou com pouco mais de 20 anos. Para as autoridades, elas representam uma ameaça tão grande ao Ocidente quanto os homens: tendo probabilidade maior de perder o cônjuge em combate, podem voltar para seus países de origem, doutrinadas e cheias de ódio.

As meninas de Bethnal Green eram elogiadas por seus professores e admiradas por seus colegas. Eram garotas inteligentes e populares que viviam em um mundo onde a rebelião adolescente é expressa por uma religiosidade radical que questiona tudo à sua volta.

“Antigamente as meninas queriam homens bonitos; hoje o que elas buscam são muçulmanos praticantes”, disse Zahra Qadir, 22, que faz trabalhos de “desradicalização” para a Active Change Foundation (Fundação Transformação Ativa), entidade sem fins lucrativos mantida por seu pai.

O EI se esforça para atrair essas meninas, adaptando seus chamados aos sonhos, vulnerabilidades e frustrações delas. Enquanto as feministas ocidentais enxergam o hijab como símbolo de opressão, essas meninas acham que a moda ocidental sexualiza crianças. Nove dias antes de deixar o Reino Unido com suas amigas, Amira escreveu no Twitter: “Sinto que não pertenço a esta era”.

Khanom tinha 17 anos, apenas um ano mais que Khadiza, quando se casou. Tasnime Akunjee, advogado que representa as famílias das três garotas, disse que, no mundo delas, ir à Síria e aderir ao EI é uma maneira de tomar as rédeas de seu próprio destino.

As poucas notícias que emergiram sobre as três amigas desde que partiram revelam um misto de ingenuidade e determinação juvenil. Uma conhecida das garotas disse que Amira “se apaixonou pela ideia de se apaixonar”. Já Khadiza disse à sua irmã, depois de chegar à Síria: “Não vim para cá apenas para me casar”.

“É um feminismo distorcido”, comentou Havlicek. “Para as meninas, aderir ao EI é uma maneira de se emancipar de seus pais e da sociedade ocidental, que elas consideram que as traiu. Para o EI, é ótimo para a moral das tropas, porque os combatentes querem mulheres ocidentais. E, na batalha das ideias, eles podem apontar para essas garotas e dizer: ‘Veja, elas estão optando pelo califado’.”

Em janeiro de 2014, uma das melhores amigas de Khadiza, Sharmeena Begum (sem parentesco com Shamima), perdeu a mãe para um câncer. Pouco depois, seu pai começou a namorar. Filha única, Sharmeena ficou profundamente abalada. Após a morte da mãe, ela começou a passar mais tempo na mesquita. Quando seu pai se casou novamente, Khadiza a acompanhou ao casamento. Pouco depois disso, em 6 de dezembro, Sharmeena desapareceu. “Ela estava vulnerável, traumatizada”, comentou o advogado Akunjee, que não representa a família de Sharmeena, mas conhece o caso dela. “Sharmeena não reagiu fazendo um piercing ou começando a namorar um traficante de drogas —ela aderiu ao EI.”

Na época, um policial foi encarregado de entrar em contato com as meninas, mas elas não atenderam seus telefonemas nem responderam às mensagens dele. O policial pediu à escola para marcar encontros com as meninas e quatro outras amigas delas. Duas reuniões chegaram a acontecer. Apesar disso, segundo Khanom, nem a escola nem a polícia informaram às famílias sobre exatamente o que estava acontecendo. Um representante da Polícia Metropolitana disse que não houve qualquer indício de que as garotas “estivessem vulneráveis de qualquer maneira ou tivessem sido radicalizadas”. Em 5 de fevereiro, policiais entregaram cartas às meninas que elas deveriam entregar a seus pais, pedindo a autorização para tomar depoimentos formais delas sobre o desaparecimento de Sharmeena. Mas as meninas não entregaram as cartas.

Como a polícia e a escola estavam guardando silêncio sobre a suspeita de que Sharmeena tivesse viajado à Síria, Khadiza e suas amigas começaram a planejar seguir o exemplo dela. Numa página arrancada de um calendário, as meninas redigiram uma lista de coisas que teriam que levar na viagem: sutiãs, celular e agasalhos, entre outros itens. Encontrada no fundo do guarda-roupa de uma delas, a lista parece conter também a letra de uma quarta garota. Desde então, um juiz confiscou os passaportes da quarta garota, de três outras alunas da Bethnal Green Academy e de uma quinta garota do bairro.

Elas formavam o que Shiraz Maher, membro sênior do Centro Internacional para o Estudo da Radicalização e da Violência Política, descreveu como um núcleo padrão, razão pela qual é ainda mais espantoso que a escola e a polícia tenham deixado o fato passar despercebido em mais de uma ocasião. Segundo Maher, se um membro de um grupinho de amigos foi para a Síria, esse é um indicativo confiável de que os outros amigos farão o mesmo.

Em 15 de fevereiro, dois dias antes de as três meninas partirem, Shamima mandou uma mensagem pelo Twitter a uma conhecida recrutadora do EI residente em Glasgow, Aqsa Mahmood. Shamima é a mais jovem das três amigas e também a mais esquiva. Sabe-se pouco sobre ela, tirando o fato de que gostava de assistir ao programa “Keeping Up With the Kardashians” e que viajou à Turquia com o passaporte de sua irmã de 17 anos, Aklima. Aqsa Mahmood negou ter recrutado as meninas.

Familiares de Khadiza dizem que é pouco provável que as garotas tenham conseguido sozinhas o valor estimado de 3.000 libras esterlinas (cerca de R$ 16.300) para custear as passagens.

“É uma viagem complicada”, falou Akunjee. Ele sabe disse em primeira mão. Uma das primeiras coisas que o advogado fez depois de ser contratado pelas famílias das garotas foi viajar com parentes delas à Turquia e lançar um apelo público para que elas entrassem em contato.

Na manhã depois de as famílias retornarem a Londres, uma mensagem apareceu na conta de Instagram de Khanom. Seu pedido de seguir sua irmã, bloqueado desde que Khadiza tinha partido para a Síria, tinha sido aceito. Khanom contou que mandou uma mensagem a Khadiza pedindo que ela lhe dissesse se estava em segurança. Khadiza respondeu e mais tarde mandou outra mensagem, pedindo notícias de sua mãe.

Baseadas nessas conversas, as autoridades concluíram que as três garotas estavam em Raqqa, a capital “de facto” do EI, em um de vários albergues para mulheres solteiras que existem ali.

Desde então, as três se casaram, confirmou o advogado das famílias. Elas puderam optar entre vários homens ocidentais.

Uma delas escolheu um canadense, outra um europeu. Amira se casou com Abdullah Elmir, australiano que já foi visto em vídeos de recrutamento do EI. Elas mantêm contato esporádico com suas famílias. As conversas passam a impressão de que as meninas não lamentam sua decisão, mas também dão a entender que elas enfrentam dificuldades como cortes de eletricidade e escassez de produtos. Um bate-papo recente foi interrompido abruptamente porque um ataque aéreo estava começando.

Está ficando mais difícil saber se são as próprias meninas que estão se comunicando. Cada vez mais, suas conversas são entremeadas por frases padronizadas de propaganda. “Será que elas adotaram essa linguagem? Será que há alguém ao lado delas quando escrevem?”, indaga Akunjee. “Não sabemos. Mas elas não são mais as pessoas que suas famílias reconhecem. Não são mais as mesmas. E como poderiam ser?”

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