Quando Khalif Samantar se ajoelhou para as orações da tarde no Centro Islâmico Dawa de Eskilstuna, no dia de Natal, sentiu a temperatura subindo e um som estranho vindo do corredor. Segundos depois, quando ainda tentava se concentrar no ritual, alguém gritou: "A mesquita está pegando fogo!"
Ele pulou a janela e correu na neve para pedir ajuda. Havia cerca de 70 pessoas no templo, mas ninguém ficou ferido. O incêndio, que destruiu o Centro Dawa, foi a pior das três suspeitas de ataques a mesquitas na Suécia em um período de dez dias.
"Deixamos nosso país como refugiados. Não estávamos atrás de comida nem
benefícios, apenas de um lugar para viver em segurança. Agora, nem isso. A impressão é a de que a sociedade se virou contra nós", lamenta o imã da mesquita, Abdirahman Farah Warsame, que é somali.
Por toda a Europa, o fluxo incessante de imigrantes causado pela guerra na Síria e o caos generalizado no Oriente Médio e no Chifre da África, aliado aos problemas econômicos e o medo do radicalismo islâmico insuflou uma retaliação contra os estrangeiros, voltada mais diretamente aos muçulmanos. Porém, em nenhum lugar essa reação foi mais surpreendente que na Suécia, onde a maior parte dos cidadãos apoia a "política de portas abertas" que já dura 65 anos, criada para receber os forasteiros em dificuldades e que sempre gerou grande respeito por parte da comunidade internacional.
No dia dois de janeiro, centenas de suecos se reuniram em várias cidades para mostrar solidariedade com a população muçulmana, um dia depois de uma pessoa ter atirado uma garrafa com líquido inflamável contra uma mesquita em Uppsala e pichado frases racistas no prédio. Não houve feridos e o templo não foi danificado.
No entanto, os anúncios da chegada diária de novos imigrantes à Europa, por meios legais ou não, já começam a afetar a tolerância do país. E, apesar da economia medíocre, a Suécia ficou em terceiro no volume de pedidos de asilo em 2012, perdendo apenas para a Alemanha e a França, segundo o Instituto de Política de Imigração de Washington.
A oposição a esses números só faz crescer e o resultado é que os democratas suecos, de extrema direita e anti-imigração, obtiveram o melhor desempenho de sua história nas eleições de setembro, com quase treze por cento dos votos. Sua entrada no Parlamento, em 2010, já tinha criado a oportunidade de discussão de reversão da política de aceitação de estrangeiros por motivos humanitários com acesso aos benefícios sociais.
No mês passado, ameaçou depor o governo de minoria do primeiro-ministro Stefan Lofven e as eleições antecipadas só foram evitadas graças a um acordo de última hora que, segundo os observadores, lhe conferiu ainda mais poder, transformando-se no principal opositor.
O crescimento do partido é uma realidade, apesar de quase vinte por cento da população sueca de 9,6 milhões ter nascido no exterior ou de pais estrangeiros. Na Suécia, a grande maioria dos imigrantes tem acesso à educação, mas os números oficiais revelam uma taxa de desemprego desproporcional entre eles: mais que o dobro do nível nacional, que é de oito por cento. E foi essa disparidade que motivou os protestos que sacudiram a periferia de Estocolmo em 2013.
Para Omar Mustafa, presidente da Associação Islâmica da Suécia, que representa cerca de 40 comunidades ao redor do país, os ataques recentes a mesquitas culminam um ano de ataques islamofóbicos, que incluíram desde mulheres tendo seus hijabs, ou véus de cabeça, arrancados no meio da rua até o vandalismo a 14 mesquitas, além de comentários e críticas nas redes sociais. "É um movimento que está crescendo, saindo da internet para o mundo real", afirma.
Vândalos quebraram as janelas de uma mesquita em Eskilstuna duas vezes no ano passado e duas em 2013, mas Warsame garante que o templo mantém boas relações com os vizinhos e as autoridades.
Depois do incêndio, a congregação recebeu inúmeras manifestações de apoio, incluindo a realização de um evento no qual dezenas de pessoas colaram notinhas em formato de coração nas janelas da mesquita, batizadas de "bombas de amor". A iniciativa foi organizada por um grupo ativista, o Tillsammans for Eskilstuna, ou Juntos por
Eskilstuna. Apesar da manifestação de solidariedade, muitos membros da mesquita se confessam abalados.
Samantar, que é somali e pai de três filhos, tenta não pensar no cheiro da fumaça toda vez que vai rezar.
"A gente levava a família para a mesquita direto porque ela sempre foi o nosso porto seguro. Agora não mais", lamenta ele.