
Os integrantes da banda estavam todos vestidos de preto e o cantor gritava no microfone. Os guitarristas arranhavam os instrumentos e o baterista tocava com fúria. Enquanto isso, o flautista fazia um solo e os fãs iam à loucura.
Isso é heavy metal ao estilo boliviano, uma mistura de guitarras pesadas e letras gritadas com ritmos e instrumentos tradicionais dos Andes, com raízes não apenas pré-colombianas, mas pré-incas.
"Trata-se de sincretismo social, da fusão de duas culturas", afirmou Veronica Huanca, de 26 anos, advogada, em um show recente.
A Bolívia é o país mais pobre da América do Sul, com um alto percentual de indígenas, muitos dos quais ainda vivem de acordo com suas tradições. Porém, esse também é um país jovem, em franca ascensão e que muda rapidamente, onde o velho e o novo, o estrangeiro e o nacional se encontram, se chocam e se misturam.
Aqui em Sucre, as camisetas pretas e as calças pretas justas dos "metaleros", como são conhecidos os fãs de heavy metal, se destacam das paredes brancas das construções coloniais.
A primeira banda a subir no palco do Metal Fest Sucre foi o Armadura, um dos primeiros grupos a fazer o que chamam de heavy metal fusion.
Só um punhado de grupos adotou o estilo híbrido e até mesmo o Armadura toca apenas algumas músicas do tipo, em sets dominados pelo heavy metal puro e simples.
Ainda assim, as canções caracterizadas pelo uso da flauta de Pã, conhecida como zampoña, e da flauta de madeira conhecida como quena, têm um impacto especial sobre os fãs.
"Eles reagem muito melhor às músicas que incluem instrumentos de sopro do que às músicas que são metal puro", afirmou Boris Méndez, principal cantor do Armadura. Méndez, de 33 anos, vive em El Alto, uma cidade próxima a La Paz, cuja população aumentou muito com imigrantes vindos do interior.
A cidade é fundamental para compreender as mudanças que ocorrem na sociedade boliviana, onde os jovens fazem experimentos com gêneros musicais ocidentais, sem abandonarem suas raízes musicais.
"Essa geração de jovens de 14, 15, 18 anos de idade nasceu em El Alto, mas seus pais são imigrantes, então eles tocam hip hop, rock, reggaeton, têm um mundo todo de gêneros, mas suas famílias mantêm as tradições", afirmou Yuri Callisaya, de 34 anos, integrante do Armadura.
Alguns "metaleros" dizem que a agressividade da música é similar à dança e à música dos Andes conhecida como tinku. Em pequenos vilarejos, os dançarinos de tinku realizam lutas sangrentas, um ritual cujo objetivo é alimentar a terra com o sangue derramado e garantir uma boa colheita. Em algumas apresentações, os dançarinos se dão as mãos e fazem passos cujas origens são centenárias. "Eles puxam e empurram uns aos outros, mas muitas vezes, quando estão tocando instrumentos de sopro, as pessoas começaram a misturar a dança do altiplano com o rock", afirmou Méndez, referindo-se ao planalto andino. "É uma mistura completa."



