A história legou muita beleza a esta capital portuária no Báltico, captada em elegantes edifícios art nouveau e nas torres de igrejas góticas. Mas também deixou uma desagradável rixa étnica, que persiste apesar de a Letônia ter sido inserida na Otan, na União Europeia e na zona do euro, e que agora se aprofundou com a crise na Ucrânia. Nesta nação de 2 milhões de habitantes, cerca de um terço dos moradores fala apenas ou principalmente russo. Muitos são pessoas cujas famílias chegaram no domínio soviético. Desde que a Letônia declarou independência, em 1991, muitos russófonos se tornaram não cidadãos, em grande parte sem direito de votar, ocupar cargos públicos.
Aqueles que se recusam a dominar o idioma letão não obtêm a cidadania. Nas eleições de outubro, a não ser que o governo decida emitir títulos especiais, cerca de 283 mil pessoas não votarão. Recentemente, os países bálticos, incluindo Estônia e Lituânia, celebraram 25 anos da Cadeia Báltica, evento ocorrido durante a dissolução da URSS, quando 2 milhões dos cidadãos desses países se deram as mãos ao longo de 640 km para declarar sua meta de independência. Mas enquanto a maioria no Báltico recorda com prazer seu bem-sucedido empenho pela liberdade, outros que vivem nas três nações se lembram do fim da União Soviética como um infortúnio, ou algo pior.
O parlamentar letão Boriss Cilevics, de etnia russa, sente diariamente as forças contrapostas criadas por uma disputa que, enfatiza ele, "não é uma questão de sangue". Cerca de 25% dos casamentos são mistos, entre letões e russos, afirmou ele. "Nós trabalhamos juntos e passamos o tempo juntos." A língua russa é amplamente ouvida e os cidadãos russos constituem cerca de um terço dos turistas. Mas o consenso político determina que "uma maioria absoluta de letões étnicos precisa ser governada somente por letões étnicos".
Cilevics é membro do Centro da Harmonia, partido normalmente apoiado pelos russos e que ultrapassou a barreira de 5% necessária para entrar no Parlamento, de cem cadeiras, mas que nunca foi incluído nas coalizões de governo da Letônia. O atual governo tem um ministro etnicamente russo, Vjaceslavs Dombrovskis. Políticos letões definem o status quo como o resultado natural do período soviético, quando a população etnicamente letã daqui diminuiu para cerca de 50%, após deportações maciças para a Sibéria, antes e depois da ocupação nazista, e um grande fluxo chegando de outras partes da União Soviética.
"Se a meta principal é que todo mundo se torne cidadão, você tem de ter algum tipo de ligação com os valores", disse Artis Pabriks, ex-ministro de Relações Exteriores e da Defesa do país, que está agora no Parlamento Europeu. Hoje questionou ele citando a anexação da Crimeia por Vladimir Putin e sua interferência no leste da Ucrânia se os russófonos "estão compartilhando valores com Putin, como podem ser cidadãos da Letônia?". Lyudmila, 56, vendedora de flores e mãe de seis filhos, é uma russa étnica vivendo na Letônia. "Nasci aqui, mas não sou cidadã", disse ela. "Estudei russo, e a gente tem de conseguir essa naturalização. Eu não vou implorar." A crise na Ucrânia complicou as coisas, disse Cilevics. Em geral, a mídia da Letônia apoia que a Ucrânia se afaste da Rússia, enquanto a imprensa em língua russa repete a linha do Kremlin.
Nils Ushakovs, o prefeito de Riga, disse: "Ninguém quer uma Ucrânia aqui". A Letônia e seus vizinhos sempre foram estáveis, e o PIB per capita na Letônia é quatro vezes maior do que o da Ucrânia, disse ele. Quando a chanceler alemã, Angela Merkel, fez uma visita recente, deixando claro que a Otan vai apoiar os Estados bálticos, mas não posicionará tropas tão perto das fronteiras russas, uma multidão com algumas centenas de pessoas a aclamou. Eram na maioria turistas, "não só da Alemanha, mas de toda a Europa", disse a chanceler posteriormente. "Isso mostra o quanto a Letônia se tornou parte do espaço comum europeu".