Atrás de um portão de barras de metal, os corredores do surrado prédio de dois andares levavam a salas de brinquedos meio velhas, mas bem arrumadas, decoradas com a sisuda arte realista socialista e alguns adesivos do Bob Esponja. Divididos por idade, grupos de meninas e meninos de até sete anos brincavam no calor, vestindo apenas cuecas e calcinhas.

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Os mais velhos pediam colo. Maria Gaidar concordou, e então ouviu um de seus inspetores dizer que havia apenas 39 crianças, não as 50 declaradas na papelada do orfanato.

“E por acaso você está vendo 250 pessoas trabalhando aqui?”, respondeu ela, referindo-se aos números da folha de pagamento oficial da instituição.

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Ela é filha de um dos reformadores mais famosos da Rússia, Yegor Gaidar, o primeiro primeiro-ministro da era pós-soviética. Ela também é a nova assessora para questões sociais e de saúde do governador da região de Odessa, na Ucrânia. Ela é uma das várias estrangeiras que vieram para a região na esperança de transformá-la em uma vitrine da democracia ucraniana.

Inspeções antifraudes como essa são um dos muitos planos de Maria para ajudar seu patrão, o ex-presidente da Geórgia, Mikheil Saakashvili, em sua luta contra a corrupção desenfreada, um dos legados da era soviética nessa região potencialmente volátil, onde a maioria é falante de russo. Espera-se que ele inspire os habitantes mais inclinados para Moscou a mudar sua lealdade para Kiev.

Maria se dedica a projetos como elaborar uma lista on-line das vagas disponíveis para o jardim de infância para eliminar os subornos que os pais pagam agora, e manter a eletricidade funcionando nos hospitais da era soviética que recebem refugiados feridos na guerra do leste da Ucrânia.

Mas seu trabalho com os órfãos ucranianos e as companhias de eletricidade também é parte de uma mensagem antiKremlin que vem repercutindo na Rússia.

“Ela desafia a mensagem de Putin: ‘Russos apoiam a Rússia’”, disse Sergei Konoplyov, de Harvard. “A Ucrânia está perdendo a guerra da informação. Isso mostra que ela agora está melhor, e os russos estão chegando para ajudar.”

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Na Rússia, a notícia de que a descendente de uma famosa família russa, de 32 anos, fazia trabalho administrativo na Ucrânia irritou a mídia estatal.

“Fiquei surpresa”, disse Maria, que é conhecida por seu trabalho como líder ativista da oposição na cena de protesto em Moscou em meados da década de 2000, juntamente com reformadores como Alexei Navalny e Ilya Yashin. “Achei que iriam dizer, ‘não gostamos dela, é bom que ela tenha ido embora’. Em vez disso, foi ‘Como ela pode sair?’”.

Quando emigrou, Maria se juntou a ativistas russos que preferiram deixar seu país — embora, ao contrário dela, muitos foram para nações ocidentais, onde no geral não possuem nenhum papel político. Os russos são bombardeados com a mensagem de que uma mudança de regime na Ucrânia levou ao caos. Mesmo assim, muitos estão vendo o que acontece em Odessa, um lugar com o qual partilham laços históricos e linguísticos.

“As pessoas realmente se perguntam o que pode mudar depois de uma revolução”, disse Roman Dobrokhotov, editor do Insider Russia, jornal on-line baseado em Moscou. Os russos que utilizam a internet veem Mikheil Saakashvili no YouTube confrontando um oligarca com uma casa de praia ilegal, derrubando o muro que bloqueava o acesso à praia e pensam: ‘Queremos algo assim na Rússia’. 

Saakashvili concordou, dizendo: “Se a Ucrânia for bem sucedida em suas reformas, isso seria o fim de Putin”.

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Essa também é a esperança de Maria. “Se tudo estivesse bem, eu estaria na Rússia, trabalhando como tecnocrata ou como política. Mas com essa guerra, acho que se não fizer algo contra ela seria como se estivesse participando.”

Em Odessa, comentaristas a criticam, dizendo que ela não tem experiência. “Uma abordagem é esperar e ver”, escreveu Volodymyr Dubovyk, professor da Universidade Nacional de Odessa I.I. Mechnikov, em um e-mail.

Maria está em processo de renunciar a sua cidadania russa, conforme é exigido pela lei ucraniana. Ela disse que foi difícil tomar essa decisão. “Não me senti bem. Nem um pouco. Tenho alma russa, isso é certo. Mas para mim, estar aqui agora e estar aqui completamente, é importante.”