O corredor do armazém no Brooklyn estava escuro, e o espaço era apertado. Mas um farolete foi aceso, e então me vi olhando para uma das obras de arte roubadas mais procuradas no mundo: “Cristo na Tempestade no Mar da Galileia”, de Rembrandt. Ou será mesmo?
Naquela noite de agosto de 1997, meu guia era um antiquário desonesto que estava sendo vigiado pelo FBI por ter declarado que poderia conseguir a devolução da tela —por uma recompensa de US$ 5 milhões. Eu era repórter do “Boston Herald” e estava obcecado para encontrar “Cristo na Tempestade”, cena marítima com Jesus e os Apóstolos, e 12 outras obras, incluindo uma pintura de Vermeer e uma de Manet, roubadas em março de 1990 do museu Isabella Stewart Gardner, em Boston. As obras roubadas foram avaliadas em US$ 500 milhões. Foi o maior roubo de arte da história americana.
Escrevi um artigo de primeira página sobre o quadro que me foi mostrado furtivamente e aguardei o final feliz. Mas ele nunca se concretizou. Hoje, 18 anos mais tarde, ainda não sei se o que vi naquela noite foi a obra-prima de Rembrandt ou se tudo não passou de uma manobra para ludibriar um repórter inexperiente.
Em 2011 escrevi um livro sobre roubos de arte, dividindo a autoria com o chefe de segurança do Gardner, Anthony M. Amore. Omitimos o caso do museu Gardner porque Amore disse que a busca pelas telas roubadas tinha chegado a uma fase delicada.
A tese de Amore e do agente especial do FBI que hoje é responsável pelo caso, Geoff Kelly, é que o roubo foi obra de bandidos incompetentes e intermediários da Máfia, muitos dos quais já morreram.
Ao longo dos anos, o roubo foi atribuído a agentes do Vaticano, militantes do Exército Republicano Irlandês, emires do Oriente Médio e bilionários gananciosos.
O museu Gardner foi criado por Isabella Stewart Gardner, que colecionou pinturas, esculturas e curiosidades como cartas de Napoleão e a máscara mortuária de Beethoven. Em 1903 ela organizou seus 2.500 tesouros dentro de um imóvel no estilo de um palácio veneziano, que se tornou sua residência e também um museu. Determinou que, após sua morte (em 1924), nem um item sequer poderia ser tirado do imóvel. Mas sua vontade foi desrespeitada em 18 de março de 1990, quando dois ladrões renderam os guardas do museu e levaram diversas obras.
A investigação se concentrou em Myles J. Connor Jr., que em 1975 tinha roubado uma tela de Rembrandt do Museu de Belas-Artes de Boston, usando-a para negociar uma pena de prisão reduzida. Embora ele estivesse preso no momento do crime, ele disse às autoridades que tinha planejado o roubo dos quadros. Mas, quando saiu da prisão federal, em 2005, e não devolveu as obras, os investigadores o excluíram de sua lista de suspeitos.
No livro “Master Thieves”, Stephen Kurkjian defende que outro criminoso de Boston, Louis Royce, foi o autor intelectual do roubo. Os investigadores dizem que essa hipótese é infundada.
Já a teoria de Amore e Kelly data de 1997, quando informantes disseram ao FBI que tinham ouvido um intermediário de nível médio da Máfia, Carmello Merlino, falando em trocar as obras roubadas pela recompensa de US$ 5 milhões oferecida pelo museu.
O FBI prendeu Merlino e outros em 1998. Investigadores disseram ter lhe prometido leniência se ele os ajudasse a localizar as obras roubadas, mas que ele negou saber onde elas estavam.
Segundo Kelly e Amore, alguns anos mais tarde, informantes chamaram sua atenção para George A. Reissfelder e Leonard V. DiMuzio. DiMuzio, que estava envolvido com a quadrilha de Merlino, foi morto a tiros em 1991. E Reissfelder, que morreu no mesmo ano de aparente overdose de drogas, possuiu um Dodge Daytona vermelho, ano 1986, modelo que testemunhas relataram ter visto diante do museu Gardner na noite do roubo. Familiares de Reissfelder também afirmaram ter visto o quadro de Manet em seu apartamento.
Dois anos atrás, Kelly e Amore apresentaram essa teoria, mas não identificaram Reissfelder ou DiMuzio como suspeitos.
Outros personagens envolvidos também já morreram, entre eles Merlino, em 2005, na prisão, e Robert Guarente, suposto mafioso do Maine suspeito de ter escondido algumas das obras roubadas. Em 2009 sua viúva, Elene, disse que o marido tinha entregue parte das obras a um suposto associado, Robert Gentile, em 2002. Investigadores revistaram a residência de Gentile em 2012, e ele declarou que não sabia nada sobre as obras roubadas.
A busca continua. Kelly rejeita a hipótese de que as obras tenham sido destruídas quando os ladrões perceberam que “sem querer tinham cometido o crime do século”. “Os criminosos sabem que telas valiosas como essas são um ás na manga.”