• Carregando...
Túneis abriram uma cratera no topo de uma das maiores minas de prata do mundo, na Bolívia | Meridith Kohut para The New York Times
Túneis abriram uma cratera no topo de uma das maiores minas de prata do mundo, na Bolívia| Foto: Meridith Kohut para The New York Times

A prata dessa montanha ajudou a manter o império Espanhol. Propiciou imensas fortunas para alguns, e miséria para muitos mais. Foi o combustível para o crescimento do capitalismo europeu.

Mas agora, após séculos de extração de sua riqueza, o interior da montanha está ruindo. No topo de Cerro Rico, a 4.750 metros de altura, há uma cratera gigante. Em junho, a Unesco advertiu que a montanha — mostrada no centro da bandeira boliviana — corre o risco de desmoronar.

O colapso do topo da montanha começou em 2010. Gradualmente, a cratera foi aumentando.

Em julho, o governo disse que planejava fechar as minas localizadas a mais de 4.400 metros, onde cerca de 1.500 mineiros trabalham em condições que podem ser consideradas desumanas. Milhares deles trabalham mais abaixo.

Mas muitos não querem sair, e dizem que o governo propôs transferi-los para novas minas, mais afastadas, sem garantia de que seriam mais lucrativas.

Os mineiros desenvolvem fortes laços com as minas. Alguns até acreditam que cada uma é controlada por um deus ou um espírito, chamado Tio, que as protege. Eles fazem oferendas de álcool, cigarros, folhas de coca e outros itens.

Recentemente na mina Milagro, mineiros ignoravam os riscos, dizendo que a mina estava bem afastada da área de colapso no pico. "O que mais nos preocupa é morar aqui e ter que ir para longe, deixando nossas famílias para trás", disse Gregorio Alave, de 45 anos.

Dentro da mina, iluminada apenas por lâmpadas nos capacetes dos mineiros, o cheiro de dinamite pairava no ar. Eles usavam pás para jogar as pedras nos carrinhos de mão que serão levados à superfície por túneis estreitos, onde às vezes é preciso se agachar para passar por trechos de apenas 1.4 metro de altura.

Cerro Rico está ligado à história de Potosí e muitos bolivianos o vêem como um símbolo nacional. Grupos indígenas como os Incas extraíam prata daqui, mas a mineração intensa começou em 1545, depois da conquista espanhola.

Potosí é considerado uma das reservas de prata mais ricas já exploradas. De acordo com o historiador Jack Weatherford, "Ela foi a primeira cidade capitalista, pois fornecia a matéria prima do capitalismo: dinheiro".

Potosí está localizada a 4.000 metros acima do nível do mar e tornou-se uma das cidades mais ricas do mundo nos séculos 16 e 17.

Mas também havia miséria. Os espanhóis usavam índios ou escravos africanos para trabalharem na mina em condições arriscadas. Os índices de mortalidade eram altos.

Mesmo assim, é a história recente da montanha que a condenou. Quando o preço da prata despencou nos anos 80, a estatal Comibol (Corporação de Mineração Boliviana) cedeu a área para pequenas cooperativas de mineração privadas.

Apesar do nome, essas cooperativas não são controladas por famílias ou pequenos grupos, e a maioria dos mineiros trabalhando em Cerro Rico são empregados, sem nenhuma participação nas empresas. Há inclusive crianças trabalhando, muitas com idades entre 15 e 17 anos.

As cooperativas daqui e de outras partes da Bolívia tem um poder político tremendo e geralmente trabalham sem supervisão. O resultado, dizem os críticos, é que as condições dos trabalhadores e da montanha se deterioraram.

René Vacaflores, de 66 anos, engenheiro de mineração, disse que a montanha é toda cruzada por túneis e fossos chamados de chaminés, que proliferaram nos anos que se seguiram ao controle das cooperativas, sem uma supervisão regulatória.

Disse que as empresas de mineração não possuem mais os mapas dos túneis e que as medidas de segurança básicas eram poucas, ou inexistentes. Contou que os trabalhadores desciam os túneis verticais amarrados em cordas. "É o inferno", disse Vacaflores.

"Se o governo gerenciasse a montanha racionalmente, com técnicos, isso nunca teria acontecido", acrescentou. "Muitos enriqueceram. O que acontece aqui é pilhagem".

Ele mencionou também os muitos acidentes que acontecem, geralmente fatais, e que os corpos dos mineiros são geralmente levados diretamente para seus vilarejos, por isso as mortes não chamavam a atenção da polícia local ou de reguladores.

"Se houver um grande colapso aqui, mais de 1.000 pessoas podem morrer", disse Vacaflores. "Eles não entendem que isso pode acontecer".

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]