Em cidades de toda a Argentina, a desvalorização mais acentuada do peso desde o colapso econômico do país, em 2002, tem suscitado temores de uma nova crise financeira.
"Nos anos 80, houve momentos difíceis, mas nunca foi tão ruim quanto agora", disse Irma Herrera, de 80 anos, uma psicóloga aposentada, depois que o governo anunciou que facilitaria a compra de dólares para os argentinos em meio à convulsão financeira.
"Não vou comprar dólares se a minha pensão mensal nem sequer é suficiente para comprar comida", disse Herrera.
A Argentina se tornou um símbolo das tensões econômicas que têm aumentado nos países em desenvolvimento ao redor do mundo desde os saques ocorridos em dezembro, depois que os policiais entraram em greve em protesto contra os salários corroídos pela crescente inflação, e dos apagões que deixaram a população sufocada durante uma onda de calor recente. Em seguida, a moeda caiu, semeando o medo de que a demanda por produtos de base esteja enfraquecendo em lugares como a China, uma desaceleração que pode ameaçar os países em desenvolvimento, como a Argentina.
Ao mesmo tempo, a perspectiva de obtenção de retornos melhores nos Estados Unidos está levando os investimentos para fora do mundo em desenvolvimento, provocando uma queda nas moedas de países como Turquia, Rússia e África do Sul, entre outros.
No Brasil, a indústria automobilística está se preparando para os problemas que afligem a Argentina, um dos maiores mercados de exportação do Brasil. No entanto, além das forças internacionais que estão em jogo, os balanços financeiros têm chamado a atenção para os desafios específicos de algumas das economias mais vulneráveis da América Latina.
"O que está acontecendo em toda a América Latina é que a região está se aproximando do fim de um ciclo de sucesso dos produtos de base", disse Francisco Rodríguez, economista do Bank of America Merrill Lynch. "Alguns países são mais vulneráveis do que outros, e as Venezuelas e as Argentinas do mundo são definitivamente mais vulneráveis".
O governo venezuelano anunciou uma desvalorização parcial e novos controles cambiais.
Várias companhias aéreas dizem que o governo venezuelano não está permitindo que elas transfiram 3,3 bilhões de dólares em receitas dos bancos do país para o exterior. Elas temem que o valor desse dinheiro, que ainda está em moeda local, possa diminuir.
Além disso, o governo da Venezuela impôs novos limites sobre os dólares que ele promete vender aos cidadãos que vão viajar ao exterior, com um limite de 700 dólares por viagem para a Flórida e 2.500 dólares por viagem para outras partes dos Estados Unidos.
"Isso é uma loucura", disse Antonio Miglio, de 42 anos, um empresário que voa para Orlando, na Flórida, todo ano com a família para ir às compras. "O governo tomou essa decisão por causa da crise econômica, mas isso só vai tornar a crise ainda pior."
Na Argentina, o generoso gasto social despendido depois da crise ocorrida em 2002, que envolveu o congelamento das taxas de energia elétrica residencial e pagamentos a famílias pobres, aumentou o déficit da Argentina. O país intensificou a impressão de dinheiro, alimentando a inflação. Economistas independentes dizem que a inflação chegou a 28 por cento em 2013, embora as autoridades digam que ela ficou em 10,9 por cento.
De acordo com o Fundo Monetário Internacional, a economia da Argentina deverá crescer 2,8 por cento neste ano, uma queda significativa. Como o governo nacionalizou as empresas, muitas pessoas tentaram levar o dinheiro para fora do país.
Para evitar esse êxodo, as autoridades têm tentado restringir o acesso a moedas estrangeiras. Agora, com uma queda de quase 20 por cento no valor do peso em apenas uma semana, o governo disse recentemente que iria permitir que as pessoas comprassem dólares com maior facilidade. O ministro da Economia descreveu a mudança como uma resposta à "psicose" nos mercados financeiros da Argentina.
"O governo está tentando encontrar uma maneira de sair da confusão em que se enfiou", disse Fausto Spotorno, economista da Orlando Ferreres y Asociados, em Buenos Aires. "Mas temos muitas outras coisas a fazer, como combater a inflação".
Recentemente, as ruas do centro de Buenos Aires estiveram agitadas, mas calmas, sendo que o clima de humor negro era mais frequente do que os sinais de pânico. "Ótimo, podemos comprar dólares agora", disse Nicolás Titaro, de 61 anos, tesoureiro de uma empresa. "Só precisamos de salários que nos deem condições de fazer isso."
Outros argentinos se perguntavam quanto ao início de um novo período de turbulência econômica. "É sempre a mesma coisa aqui, uma crise a cada 10 anos", disse Marcelo Rosales, de 50 anos, que trabalha como segurança. "O governo não vai assumir o custo político de lidar com isso. Ele está só tapando buracos do jeito que da."