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Surgem denúncias de abusos militares na luta contra o Talibã no Paquistão

Dezenas de pessoas morrem em centros de detenção secretos no cinturão tribal do Paquistão. Em Islamabad, familiares das vítimas protestam | B.K. Bangash/Associated Press
Dezenas de pessoas morrem em centros de detenção secretos no cinturão tribal do Paquistão. Em Islamabad, familiares das vítimas protestam (Foto: B.K. Bangash/Associated Press)

O filho de Niaz Bibi desapareceu à noite, levado por soldados que o acusaram de ser militante talibã. Depois de um ano e meio de angústia, ela recebeu um telefonema. “Vá ao presídio Kohat. Não conte nada a ninguém”, disse o homem.

Na cadeia, no noroeste do país, finalmente reencontrou o filho, Asghar Muhammad.

Suas mãos tocaram as dele através da grade de metal. Não parava de chorar, mas tentou fazê-lo acreditar que em breve iria para casa. Um mês depois, porém, o telefone tocou novamente. “Seu filho morreu. Venha buscar o corpo”, disse a voz.

Muhammad é apenas um entre dezenas de presos que morreram nas cadeias paquistanesas no último ano e meio, em meio a relatos de tortura, fome extrema e execuções extrajudiciais feitas por ex-detentos, parentes e monitores de direitos humanos. As acusações vêm à tona em um momento em que os generais do país, donos de novos poderes legais e judiciais, reforçaram a guerra contra o Talibã Paquistanês, invadindo seus redutos e prendendo centenas de pessoas.

Os críticos reclamam que essas vantagens podem ter um custo alto em termos de direitos humanos e acabar enfraquecendo a frágil democracia local – o que, no fim das contas, desvitalizaria a iniciativa contraterrorista.

“As pessoas vivem com pavor absoluto de falar sobre o que os militares andam fazendo”, diz Mustafa Qadri, da Anistia Internacional, entidade que recebeu denúncias de mais de cem mortes sob custódia militar em 2014.

Em questão está uma rede de 43 centros de detenção secretos espalhados pela província de Khyber Pakhtunkhwa e o cinturão tribal. Pouco se sabe sobre eles a não ser que foram formalmente criados em 2011 e que ganharam mais poder graças à lei antiterrorismo mais rígida aprovada no ano passado. A maioria fica em presídios e bases militares já existentes.

Familiares de desaparecidos entraram com 2.100 processos na Suprema Corte de Peshawar para tentar saber o que lhes aconteceu.

Os militares não respondem as perguntas sobre as condições desses centros.”Os militares paquistaneses torturaram e mataram suspeitos de serem militantes com o conhecimento, se não o consentimento, do alto escalão”, disse um estudo norte-americano em 2011.

As mortes coincidiram com os ganhos no campo de batalha e uma intolerância maior da opinião pública em relação ao grupo extremista.

As novas leis antiterrorismo deram ao Exército maiores poderes legais e, de uns meses para cá, o número de mortes sob sua custódia vem caindo, coincidindo com a instauração de uma corte militar, autorizada pelo Parlamento em janeiro. Fayaz Zafar, jornalista do Vale do Swat, contou 48 corpos devolvidos à região em 2014; este ano, foram só cinco, sendo a última devolução em dois de junho.

Para os especialistas, tal estrutura está muito aquém dos padrões internacionais e sua autoridade já vem sendo questionada pelo Supremo Tribunal nacional. Porém não há oposição pública contra essas cortes, principalmente desde o massacre perpetrado pelo Talibã que matou 150 pessoas em dezembro, na maioria crianças. As autoridades apertaram o cerco contra os militantes em outras frentes também, acabando com a moratória sobre a pena de morte, o que levou 178 presos à forca.

Um ex-detento do Swat conta que apanhou com arame farpado, chegou a comer sabão de tanta fome e foi forçado a dar falso testemunho contra outros presos.

“Eu me senti culpado, mas sabia que apanharia ainda mais se me recusasse a fazê-lo”, confessa o homem que só falou sob a condição de anonimato.

Os parentes dos detidos mortos na prisão afirmam que são pressionados a enterrá-los às pressas, geralmente à noite, e muitas vezes forçados a desistir da autópsia, mesmo quando o corpo mostra sinais de violência. Em outros casos, os mulás são proibidos de rezarem pelos mortos.

No Swat, várias mulheres formaram um grupo de protesto para exigir notícias dos parentes através de protestos de rua e ações judiciais.

Poucos, porém, discordam do fato de os presos terem ligações com o Talibã. Muhammad, o rapaz que morreu, admitiu à família ter passado oito meses na companhia dos extremistas antes de ser preso, contam os parentes.

Jamaluddin Shah, funcionário público civil de Kohat, não acredita que os militares usem a tortura como prática comum. “Mas mesmo que usassem, não entendo o porquê de tanto alarde.”

“Você já viu os caras matando gente e distribuindo os vídeos depois?”, referindo-se aos vídeos de execuções. “Acha que eles merecem direitos humanos?”.

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