Um popular vídeo no YouTube mostra um homem dirigindo por Los Angeles quando o seu celular toca. A imagem da mãe do rapaz aparece numa telinha montada sobre o painel do carro.
Mas há um truque óptico: a imagem aparece para o motorista como se estivesse flutuando logo à frente do carro, acima da faixa de rolamento. O homem atende à ligação com um gesto. “Oi”, diz a mãe pelos alto-falantes. “Só queria dizer que te amo.”
“Também te amo”, responde o protagonista, que antes de desligar comenta: “Estou fazendo um vídeo neste momento”.
Trata-se de um vídeo promocional da Navdy, uma das várias start-ups que propõem soluções tecnológicas para a distração ao volante —ou como evitá-la.
Esses aparelhos projetam no campo de visão do motorista informações sobre o trânsito e dados enviados pelo smartphone.
Há várias versões dessa nascente tecnologia, mas todas geralmente funcionam com um projetor sem fio que colhe informações do telefone e usa sofisticados processos ópticos para permitir que as informações —mapas, velocidade, mensagens recebidas, identificação de chamadas e até notificações de redes sociais— flutuem sobre o painel. Gestos com as mãos ou comandos de voz permitem que o motorista atenda ou desligue uma ligação, por exemplo.
O aparelho da Navdy começará a ser distribuído no final deste ano. Não se sabe se ele funcionará tão bem quanto no vídeo quando for utilizado nas condições imperfeitas da vida real.
Ainda assim, o aparelho cai numa categoria de engenhocas automotivas que poderia ser descrita como “dá para ter tudo, sim”. Dirigir, receber mensagens, falar ao telefone e até mesmo interagir nas redes sociais —mas sem abrir mão da segurança, segundo os fabricantes desses aparelhos, conhecidos em inglês como “head-up”, por permitirem que o motorista permaneça com a cabeça erguida.
Algumas montadoras de veículos já usam um recurso especial no para-brisa para projetar informações básicas sobre a condução, como a velocidade do veículo e o trajeto, de modo que o motorista não precise abaixar o olhar para o painel.
O Google, com o Android Auto, e a Apple, com o CarPlay, também embarcaram nessa promissora indústria. Ambos permitem que celulares sejam conectados à entrada USB do carro, transmitindo a informação do celular para um monitor sobre o painel.
O argumento em prol desses aparelhos é simples: os motoristas vão usar o celular de qualquer maneira, então por que não minimizar os tipos mais arriscados do comportamento multitarefa —como a prática de manusear o celular ou abaixar o olhar para o aparelho?
“A melhor forma de lidar com isso é tornando-o o mais seguro possível”, disse Nagraj Kashyap, da empresa Qualcomm Ventures, que investiu US$ 3 milhões no Navdy.
Mas especialistas na ciência da atenção dizem que alguns dos novos projetores podem estar elevando riscos evidentes.
“É uma péssima ideia”, disse Paul Atchley, psicólogo da Universidade do Kansas que estuda a distração ao volante. “A tecnologia foi impulsionada pela falsa suposição de que para enxergar basta ter os olhos fixos no ponto certo”, disse ele.
O aparelho da Navdy, que custa US$ 299, já recebeu mais de 6 milhões de pré-encomendas, segundo Doug Simpson, criador da empresa. Simpson disse que teve a ideia do aparelho durante uma viagem a Bancoc (Tailândia). Ele quase bateu seu carro quando tentava entender um mapa no celular enquanto dirigia por ruas desconhecidas.
Mapas, instruções de trajeto e outras informações sobre a condução do veículo são recursos importantes de vários desses produtos, com base na ideia de que qualquer tarefa relacionada ao ato de dirigir deve ser feita da forma mais segura possível.
Produtos como o da Navdy encontraram espaço em parte porque muitos consumidores consideram ruins as telas de toque originais dos veículos, e pesquisas mostram que os sistemas de comando por voz podem ser tão imprecisos que acabam criando distrações.
O aparelho da Navdy exibe velocidade, mapa e notificações de chamadas e mensagens de texto com a identificação do remetente, mas não a mensagem propriamente dita. O motorista enxerga algo semelhante a um holograma flutuando diante do para-brisa, segundo Simpson.
No vídeo do YouTube, o motorista diz que a tecnologia é “parecida com aquela que os pilotos de companhias aéreas usam ao pousar”. Ele acrescenta: “Ouviu? Pilotos usam. É seguro”.
“Não é verdade”, rebateu Christopher Wickens, professor da Universidade Estadual do Colorado e um dos maiores especialistas americanos em utilização segura dos projetores “head-up” no transporte.
As telas usadas nos aviões projetam apenas informações essenciais para o voo, como um esboço da pista ou do horizonte, e —o que é mais importante— essa informação costuma ser mostrada como uma camada visual adicional que coincide com a pista ou o horizonte reais.
Já o monitor “head-up” em um carro dá informações alheias à condução do veículo. “É uma bagunça, contribuindo para um erro em potencial ou para uma distração que contribua para um erro em potencial.”
Neurocientistas e ativistas das questões de segurança dizem que qualquer bagunça visual perturba a concentração, pois faz o motorista prestar menos atenção na pista. Essa distração faz com que seja extremamente difícil ao motorista reagir a uma ameaça repentina.
Há outra preocupação: a tecnologia “head-up” voltada para a comunicação e as redes sociais cria o risco de tornar normal o comportamento multitarefa, “como se estivéssemos dizendo às pessoas que é OK fazer isso”, disse Deborah Hersman, executiva-chefe da Comissão Nacional de Segurança dos EUA.
Outra abordagem dessa nova tecnologia vem de uma start-up de Vancouver, no Canadá, chamada DD Technologies. A empresa foi criada por dois empresários que disseram ter tido a ideia após ver um filme da série “Homem de Ferro”. O monitor que eles fabricam, o Iris, permite que o motorista chegue a ler o conteúdo de uma mensagem. Mas os fabricantes dizem não estimular esse comportamento —bem, não exatamente.
“Não estamos dizendo que você deva digitar enquanto dirige”, disse Dino Mariutti, um dos sócios. “Estamos dizendo que você deve tornar isso mais seguro.”
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