Com as eleições se aproximando e um acordo de segurança em dúvida, um sentimento de vulnerabilidade cresceu entre muitos afegãos| Foto: Mauricio Lima

Tudo começou com um comentário no calor do momento em um programa partidário na televisão, traçando uma linha étnica ousada até mesmo para padrões afegãos.

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"Os pachtuns são os governantes e donos do Afeganistão; eles são os verdadeiros habitantes do país", declarou o General Abdul Wahid Taqat, ex-oficial da Inteligência. "Afeganistão significa ‘onde moram os pachtuns’".

As palavras geraram protestos em Cabul em dezembro. As redes sociais entraram em erupção. Para conter os ânimos, o presidente Hamid Karzai (um pachtun) mandou prender o General Taqat e repreendeu a mídia por tentar disseminar o ódio.

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Karzai advertiu os afegãos, com suas memórias de conflitos étnicos, sobre o que eles tinham a perder: "Se não fosse pela unidade nacional do povo, não seria possível viver em Cabul por um segundo".

Mais de 100 mil pessoas morreram na guerra civil que se seguiu à retirada das Forças Soviéticas do Afeganistão em 1989, um conflito que se desenrolou em meio a linhas étnicas – entre os pachtuns e as populações menores de tadjiques, hazaras e usbeques.

Embora tenha ocorrido pouca violência étnica no país ultimamente, nos círculos políticos e da imprensa, os nervos estão à flor da pele. No Parlamento e em programas de rádio, discussões aos gritos sobre questões étnicas começaram a se transformar em brigas físicas, um preocupante lembrete de que a frágil situação étnica aqui, mantida por tropas estrangeiras e bilhões de dólares em ajuda, pode facilmente se desmantelar. E com a coalizão comandada pelos EUA preparando-se para se retirar, um acordo de segurança duvidoso e a aproximação de eleições presidenciais, muitos afegãos se sentem vulneráveis quanto ao futuro.

Contudo, os afegãos comuns não parecem estar seguindo os passos da imprensa e da elite política. Muitas pessoas foram à internet e às ruas para protestar contra as provocações, escrevendo músicas e poemas sobre unidade e castigando a imprensa e líderes partidários que usam a questão étnica. Sob pressão, o General Taqat ofereceu um pedido de desculpas à nação, em um vídeo publicado no YouTube.

O governo está ciente do perigo, a tal ponto que transformou em crime a incitação de conflitos étnicos. Muitas de suas autoridades mais antigas participaram da brutal guerra civil, e poucos funcionários do governo duvidam de que, se o Afeganistão voltar a sofrer distúrbios civis, grande parte da violência viria das linhas étnicas.

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Legisladores vêm discutindo há meses, às vezes com violência, sobre o que significa ser um afegão. Muitos membros de minorias étnicas acreditam que a palavra se refere apenas aos pachtuns e querem sua própria etnia listada em novos cartões de identidade nacionais, mas alguns líderes pachtuns se opõem.

"Estamos defendendo a Constituição Afegã, que afirma que cada cidadão, independente de seu grupo étnico, é chamado de afegão", argumentou Aryan Yoon, uma pachtun membro do Parlamento e esposa de um dos fundadores da Zhwandoon TV, canal que transmitiu os comentários do General Taqat.

Outros veem a questão de outra maneira, incluindo funcionários da Mitra TV, um canal para tadjiques criado pelo governador da Província de Balkh. "Um grupo étnico específico está tentando se manter dominante", afirmou Asar Hakimi, um consultor da estação. "Se eles mantiverem o poder exclusivamente, isso levará a um desastre, como nos Bálcãs".

As questões étnicas parecem ganhar força entre pessoas mais velhas que testemunharam a guerra civil; a postura dos mais jovens está mais fluida, e suas identidades, mais complexas. Famílias mistas se tornaram mais comuns. Um dos candidatos presidenciais mais populares é Abdullah Abdullah, que possui pai pachtun e mãe tadjique.

Em alguns aspectos, a divisão étnica é acentuada pelo fato de que os militantes talibãs em guerra com o governo e a coalizão internacional são quase todos pachtuns. "A Polícia e o Exército afegãos não conseguirão evitar que o Talibã assuma o poder", explicou Sharifullah Safai, um policial em Jalalabad, bairro predominantemente pachtun. "A ascensão do Talibã será o precursor de uma guerra civil étnica".

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Um homem pachtun, caminhando pelo bairro, parou para discutir a afirmação do General Taqat.

"Ouça", disse ele. "Eu acho que a declaração do General Taqat foi mal interpretada. Ele estava dizendo que devemos parar de utilizar termos étnicos – tadjique, pachtun e assim por diante. Estamos todos vivendo sob uma única bandeira".