O comportamento de Júpiter e Saturno inadvertidamente criou a vida na Terra. Esses planetas gigantes já estiveram em órbitas muito mais próximas do Sol.
Empurrados para longe, liberaram uma chuva de asteroides, chamada de Bombardeio Pesado Tardio, que atingiu a jovem Terra.
No calor desses impactos, o carbono dos meteoritos reagiu com o nitrogênio da atmosfera terrestre para formar cianeto de hidrogênio. O cianeto é o caminho pelo qual átomos inertes de carbono entram para a química da vida.
Quando o bombardeio perdeu força, cerca de 3,8 bilhões de anos atrás, o cianeto já havia chovido e se acumulado, reagido com metais, evaporado, cozinhado e sido exposto à luz ultravioleta.
Dissolvido, escorreu por riachos e se misturou à água doce. As substâncias químicas formadas a partir das interações do cianeto se combinaram para gerar os precursores dos lipídios, nucleotídeos e aminoácidos, os três componentes significativos de uma célula.
Tudo isso é uma hipótese proposta por John Sutherland, químico da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Mas ele testou em laboratório todas as reações químicas necessárias e desenvolveu provas de que elas são plausíveis.
Sutherland então desenvolveu esse cenário geológico porque ele fornece as condições exigidas pela química, o que decorre da sua descoberta, há seis anos, da chave para o mundo do RNA.
Os biólogos há muito tempo defendem a ideia de que a primeira molécula de transporte de informações sobre a vida não foi o DNA, mas sim um parente próximo, o RNA, composto por uma sequência de unidades químicas chamadas nucleotídeos.
O nucleotídeo é composto por um açúcar —a ribose, no caso do RNA— unido numa ponta a uma base e a um grupo fosfato na outra.
Pesquisadores que buscam reconstituir as condições químicas que levaram à vida já provaram anteriormente de que forma a ribose e as bases podem ter surgido.
Mas eles não conseguiam encontrar uma maneira de unir a ribose à base. O obstáculo era tão desafiador que alguns duvidaram da ideia de um mundo de RNA.
Após dez anos testando todas as combinações possíveis de substâncias químicas prebióticas, Sutherland descobriu que a solução não consistia em construir a ribose e as unidades de açúcar separadamente, e sim em produzir uma substância que fosse em parte açúcar e em parte base.
A adição de outra substância transformou esse híbrido em um ribonucleotídeo. A porta para o mundo do RNA havia sido aberta.
Se essa etapa era crucial, teorizou Sutherland, então o restante da química prebiótica deveria estar relacionado a isso.
Ele e seus colegas passaram seis anos fazendo experiências para tentar reconstituir o cianeto de hidrogênio como ponto de partida da química dos ribonucleotídeos e para entender como outros compostos prebióticos podem ter surgido a partir do caminho do cianeto até os ribonucleotídeos.
Até agora, eles conseguiram formas de gerar 12 dos 20 aminoácidos usados nas proteínas, 2 dos 4 ribonucleotídeos de RNA, além do glicerol-1-fosfato, o “tijolo” universal dos lipídios, a partir do qual são feitas as membranas celulares. As descobertas foram publicadas na “Nature Chemistry”.
O trabalho de Sutherland “estabelece pela primeira vez um cenário para a geração de potencialmente todos os blocos de construção da vida em uma só configuração geológica”, disse o geneticista Jack Szostak, do Hospital Geral de Massachusetts. “Os detalhes desse cenário serão debatidos por algum tempo, mas, acima de tudo, acho que é um grande avanço.”
Steven Benner, diretor da Fundação para a Evolução Molecular Aplicada, em Gainesville (Flórida), disse que muitas das reações no esquema de Sutherland “não são reais”, o que significa que os compostos puros poderiam reagir conforme a hipótese de laboratório, mas que o processo possivelmente não transcorreria da mesma forma na natureza.
Para Benner, a química prebiótica avança, mas não a ponto de sugerir respostas reais. “O fato de termos esses problemas tão básicos ainda em aberto sugere que talvez não estejamos respondendo à pergunta certa”, afirmou.
Sutherland espera compreender como as moléculas da vida podem ter sido construídas a partir de unidades individuais, um processo chamado polimerização.
“Na biologia, o RNA faz a proteína, e as proteínas fazem o RNA, então a biologia está lhe dizendo que eles trabalham em conluio uns com os outros”, explicou.