Era um lugar inusitado para um protesto: 120 trabalhadores migrantes, estudantes e religiosos gritavam diante de uma sorveteria-conceito da Ben & Jerry’s, enfeitada na fachada com um cartaz onde se lia “paz, amor e sorvete”.
Eles exigiam que a empresa —que se orgulha de sua reputação progressista— passasse a exigir um código de conduta das fazendas fornecedoras de leite e nata, de forma a assegurar aos trabalhadores migrantes uma folga semanal e dias de férias, entre outras demandas, como alojamentos melhores.
“Nós queremos que a Ben & Jerry’s ajude a garantir que sejamos tratados com respeito”, disse Arnulfo Ramirez, trabalhador da Guatemala.
Cada vez mais clientes exigem que os alimentos sejam produzidos com ética. Em consequência, crescem nos EUA movimentos pedindo melhores salários e condições de trabalho aos mais de dois milhões de funcionários ligados à produção de leite no país.
Apesar de todos os obstáculos que esses trabalhadores enfrentam –como o declínio do sindicato United Farm Workers e o fato de que grande número deles vive em situação ilegal nos EUA–, esses movimentos estão começando a ter sucesso.
A ONG Migrant Justice [Justiça Migrante] passou a defender 1.500 trabalhadores de fazendas de leite do Estado de Vermont em 2009, depois que um deles foi arrastado pelo maquinário e estrangulado pelas próprias roupas. O grupo conta com o apoio da Ben & Jerry’s para convencer outras empresas de sorvete, iogurte e leite a adotarem as metas do programa “Milk With Dignity” [Leite com Dignidade].
Brendan O’Neill, da Migrant Justice, disse que a ONG escolheu como parceira a Ben & Jerry’s por essa empresa já trabalhar com café com certificação de comércio justo e ovos de galinhas criadas soltas. “Nós achamos que eles também podem fazer mais pelos funcionários do setor de laticínios”.
Na Carolina do Norte, o Farm Labor Organizing Committee [Comitê pela Organização do Trabalho Rural] pressiona a empresa R.J. Reynolds e produtores de fumo a chegar a um acordo para acelerar a sindicalização de trabalhadores.
Na Califórnia, a Oxfam norte-americana, o clube de descontos Costco e um sindicato de trabalhadores criaram a Equitable Food Initiative [Iniciativa do Alimento Justo] para atender às preocupações do consumidor de que os produtos hortifrutigranjeiros sejam seguros e produzidos sem exploração da mão de obra.
Na Flórida, a Coalition of Immokalee Workers [Coalizão dos Trabalhadores de Immokalee] convenceu McDonald’s, Walmart, Burger King e outras empresas a exigir que os plantadores de tomate melhorem os salários e as condições de 30 mil trabalhadores.
Greg Asbed, um dos fundadores do grupo de Immokalee, afirmou que esse programa será ampliado para mais dez mil trabalhadores, começando pelos produtores de pimenta da Flórida. O Walmart tomou a frente levando o acordo além do Estado, exigindo que fornecedores de tomate na Geórgia, Carolina do Sul e Virgínia também o adotem.
Margaret Gray, autora do livro “Labor and the Locavore”, sobre trabalho rural, elogiou a iniciativa de Immokalee e de outros movimentos, mas disse que essa ajuda não basta. O salário médio do trabalhador rural nos Estados Unidos é de US$ 9,17 (aproximadamente R$ 29) por hora.
A Migrant Justice pressiona a Ben & Jerry’s desde dezembro, solicitando não só que a sorveteria estabeleça um código de conduta, como também que bonifique os produtores que atingirem padrões elavados, permitindo que eles paguem mais aos seus trabalhadores.
Em 19 de junho, um dia antes dos protestos em Burlington e em outras 16 cidades, a Ben & Jerry’s assinou um acordo com a ONG, prometendo criar um código de conduta. Segundo os organizadores, os protestos aconteceram para não aliviar a pressão sobre a empresa.
Ramirez supervisiona a ordenha de 240 vacas durante seu turno. Ele ganha apenas US$ 9 por hora, menos do que o salário mínimo de Vermont, de US$ 9,15.
Os trabalhadores rurais não estão protegidos pela maioria das leis salariais americanas. “Gosto do trabalho, mas não é um ambiente justo”, disse Ramirez, que trabalha cerca de 70 horas semanais. “Tive apenas seis dias de folga em meus quatro anos e meio aqui, na maioria dos casos porque tive de ir ao consulado guatemalteco.”
Nas fazendas que aceitaram seguir a Equitable Food Initiative, existe treinamento sobre segurança alimentar e salários mais altos para reduzir a rotatividade de mão de obra e para motivar os trabalhadores. Um comitê formado por gerentes e funcionários debate e tenta resolver problemas internos.
Até agora, 12 fazendas se uniram à iniciativa, mas apenas seis receberam certificação, somando 2.000 trabalhadores. O grupo espera certificar cem fazendas nos próximos anos.
Kurt Schweitzer, presidente da Keystone Fruit Marketing, orgulha-se de sua fazenda de cebola em Walla Walla, Washington, ter sido certificada. Segundo ele, os trabalhadores dali recebem treinamento extensivo e pelo menos US$ 15 por hora. “Isso mostra aos funcionários que seus empregos são importantes”, declarou.
“Adoro o conceito em que Costco ou Walmart andam de mãos dadas com nós e assumem sua parcela de responsabilidade. É melhor do que a atitude de pedir uma auditoria anual para provar que está tudo bem, enquanto se faz vista grossa”, disse Schweitzer.
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