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Privacidade e direito à informação se chocaram depois que Andreas Lubitz foi confirmado responsável. | Thomas Lohnes/Getty Images
Privacidade e direito à informação se chocaram depois que Andreas Lubitz foi confirmado responsável.| Foto: Thomas Lohnes/Getty Images

Logo depois do horror resultante do acidente nos Alpes Franceses, em 24 de março, Carsten Spohr, ex-piloto que administra a Lufthansa, ainda tinha certeza de uma coisa: o copiloto, Andreas Lubitz, de 27 anos, estava “100 por cento” apto a voar.

Afinal, o rapaz tinha passado pelo respeitado sistema de treinamento da companhia – “um dos melhores do mundo”, garante o CEO. Mas a história não acabou aí. Dias depois, soube-se que Lubitz teria informado a empresa sobre episódios depressivos que sofreu em 2009, quando quis voltar à escola de aviação depois de fazer uma pausa de um mês nos estudos.

A Alemanha, que há anos é a grande força econômica da Europa, passou a se definir como um país ordeiro, bem-dirigido e bem-organizado. Das Mercedes-Benz às cidadezinhas impecáveis, a nação é um exemplo de excelência.

Agora, porém, Lubitz – nascido e criado justamente em uma dessas belas aldeiazinhas – pôs em cheque esse mundo perfeito, além de desafiar outros postulados sobre a vida alemã. Como Spohr bem observou, o ato impensável do copiloto foi um desastre singular, quiçá inevitável, mas, mesmo assim, prova que o sistema falhou.

Qualquer país ficaria abalado com tal ato, mas esse levantou questões bem diferentes, um tanto incômodas. Em uma sociedade que valoriza tanto os processos, será que o sistema não teve a capacidade de detectar os sinais de alerta que poderiam ter parado Lubitz antes que ele pudesse enfiar o avião na montanha, matando a si mesmo e outras 149 pessoas? Qual é a responsabilidade, se houver alguma, da sociedade? Setenta anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, será que os alemães ainda devem insistir na proteção da privacidade sobre o debate aberto que poderia evitar o pior do comportamento humano?

Escrevendo de Montabaur, a cidadezinha de quinze mil habitantes na Renânia onde Lubitz nasceu e cresceu, um jornalista da edição on-line do respeitado semanário Die Zeit, Karsten Polke-Majewski, descreveu a hostilidade dos moradores às perguntas indiscretas e analisou o mal-estar gerado pela autoanálise.

“O que os amigos, vizinhos e conhecidos realmente sabiam sobre a vida de um homem de 27 anos que já morou em Bremen, Düsseldorf e até nos EUA? O que a minha professora teria dito sobre mim oito anos após a minha formatura?”, escreveu Polke-Majewski, referindo-se à época em que Lubitz estava em treinamento e a residência mais recente perto dos aeroportos maiores de Ruhrland.

“No entanto, será que o alerta emitido, tão evidente, pode ser considerado especulação simplesmente para evitarmos a terrível verdade, para evitar que se façam mais perguntas?”, prossegue o texto.

A determinação alemã em proteger sua privacidade é um legado do regime nazista e comunista, quando o governo espionava os cidadãos.

Quando pediram a Spohr para explicar a pausa de vários meses no treinamento de Lubitz, ele citou a confidencialidade dos registros médicos. A companhia aérea confirmou mais tarde que recebeu dados médicos do copiloto em 2009.

Como o Frankfurter Allgemeine Zeitung comentou em relação ao estado mental de Lubitz, o homem descrito pelos conhecidos de sua cidade natal como “absolutamente normal” estava bem longe dessa descrição.

“Ninguém acreditava que o inimigo pudesse se sentar em sua própria cabine; os testes psicológicos de admissão da Lufthansa, que resultam em uma aprovação de apenas 25 por cento dos candidatos, parecia incorruptível demais para permitir tal coisa”, observou o jornal.

Tanto a Lufthansa como outras empresas europeias foram rápidas em adotar uma prática que, segundo a imprensa, já é comum nos EUA: a de ter duas pessoas na cabine o tempo todo, com um membro da tripulação substituindo um dos pilotos que tiver que fazer uma saída rápida.

Essa foi a resposta óbvia ao sem-fim de pedidos pela melhoria na segurança, mas o ressentimento em relação à investigação jornalística que pode levar a mais mudanças permanece.

A briga entre a preservação da privacidade e o fornecimento de informações chegou a extremos depois que o promotor francês identificou Lubitz.

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