Quando a Guerra Fria ia terminando, no final da década de 1980 e começo da de 1990, um novo temor emergiu em meio ao regozijo e ao alívio: que a segurança atômica pudesse falhar na União Soviética desintegrada, permitindo que seu enorme arsenal de ogivas nucleares caísse em mãos não amistosas.
A inquietação se intensificou no final de 1991, quando Moscou anunciou planos para armazenar milhares de armas em lugares que especialistas viam como bunkers decrépitos, policiados por guardas de dúbia confiabilidade. Muitos cientistas e autoridades se preocuparam. Poucos sabiam o que fazer.
Foi então que o físico Thomas Neff, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), chegou a uma ideia improvável: por que não permitir que Moscou vendesse o urânio das suas armas aposentadas e o diluísse no combustível das usinas elétricas dos EUA, dando aos russos um dinheiro do qual necessitavam desesperadamente e aos americanos uma fonte energética barata?
Em dezembro, a ideia de Neff chegou a uma exitosa conclusão, quando o último carregamento de urânio da Rússia chegou aos EUA. Ao todo, ao longo de duas décadas, o programa conhecido como "Megatons para Megawatts" transformou 20 mil ogivas russas na eletricidade que alimentou uma em cada dez lâmpadas americanas.
Neff foi o pai do programa de reciclagem atômica, apesar de não ter um nome conhecido, da sua inexperiência no cenário mundial e das suas modestas credenciais no controle armamentista. Além do mais, ele não só concebeu o plano original como também foi seu tutor durante décadas.
"É uma coisa incrível", disse o físico Frank von Hippel, da Universidade Princeton, em Nova Jersey. A onda da destruição de armas, segundo ele, eliminou até um terço do combustível do planeta para bombas atômicas, fazendo desse "o maior passo individual" na história da redução das armas nucleares. Ele descreveu Neff como um herói menosprezado e o seu sucesso como um notável exemplo "do que uma pessoa pode fazer".
Na era nuclear, o raro isótopo urânio-235 desempenhou papéis de protagonista na guerra e na paz. Quando purificado até um nível de 90%, ele alimenta bombas; a 5%, abastece reatores de centrais elétricas.
Neff se perguntou se esses mundos díspares seriam capazes de fazer negócios. Quando Washington e Moscou anunciaram importantes reduções armamentistas unilaterais, no final de 1991, ele se lembra de ter dito: "Uau, o que vai acontecer com todas essas armas?". Como muitos especialistas, ele temia que a União Soviética estivesse mal equipada para lidar com milhares de bombas inutilizadas. Os tratados e as ações independentes da Guerra Fria permitiam que as armas nucleares retiradas de bombardeiros e mísseis fossem armazenadas, criando a possibilidade de um furto.
O combalido Estado comunista, temia ele, já estava cancelando medidas destinadas a manter a segurança das armas. Ele também suspeitava que cientistas nucleares russos, outrora parte uma elite mimada, mas agora enfrentando a pobreza, poderiam procurar trabalho em outro lugar. "Tudo isso soava perigoso", afirmou.
Sua solução foi a reciclagem atômica, ideia que ganhou apoio tanto em Washington quanto em Moscou. Mas realizá-la, em meio a um emaranhado de interesses estatais e comerciais conflitantes, era outra coisa. Neff estava lá para dar um empurrãozinho em praticamente todas as curvas.
A primeira carga de urânio chegou em 1995; outras 250 se seguiram nos 18 anos seguintes. Em dezembro, um cargueiro que navegou de São Petersburgo a Baltimore entregou a última carga de urânio diluído. Placas mostravam ondulantes bandeiras da Rússia e dos EUA, com os dizeres: "20 mil ogivas nucleares eliminadas".
Em dezembro, a embaixada da Rússia em Washington promoveu uma recepção para marcar o final do programa. Neff foi convidado de honra. Uma brochura distribuída na ocasião estimava em US$ 17 bilhões o custo total da transação.
O urânio das armas desmanteladas, dizia o texto, foi diluído em 15.432 toneladas de urânio pouco enriquecido. O combustível para reatores resultante do programa abastecia metade de todas as usinas nucleares americanas.
A venda de material atômico, acrescentava a brochura, "é amplamente entendida como um símbolo do fim da era de confrontação entre as duas grandes potências nucleares". Neff, porém, diz que a lição sobre esse feito "é que os cidadãos individualmente podem fazer algo".
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