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Tribunais americanos julgam crimes globais

Trabalhando no Brooklyn, promotores americanos indiciaram dirigentes da Fifa do outro lado do mundo por corrupção | Sam Hodgson/for The New York Times
Trabalhando no Brooklyn, promotores americanos indiciaram dirigentes da Fifa do outro lado do mundo por corrupção (Foto: Sam Hodgson/for The New York Times)

Detido no Djibuti quando estava a caminho do Iêmen, vindo da Somália —longe do Reino Unido, seu país de residência—, Madhi Hashi ficou perplexo quando se descobriu preso em Manhattan.

Ele admitiu ser membro do grupo militante somali Al Shabaab. No entanto, segundo documentos do tribunal, Hashi “não entendeu por que tinha sido levado aos EUA para ir a julgamento”.

O mundo do futebol foi pego de surpresa de maneira semelhante no mês passado, quando a secretária de Justiça dos Estados Unidos, Loretta Lynch, anunciou que promotores do Brooklyn tinham indiciado dirigentes da Fifa de outros países por acusações de corrupção.

Usando um conjunto crescente de leis que permite aos EUA processarem cidadãos estrangeiros por alguns crimes, o governo americano vem convertendo os tribunais federais em arenas de aplicação internacional das leis.

Em processos por terrorismo, a ampliação de uma lei em 2004, a fragmentação de facções extremistas e a redução da ênfase sobre as detenções militares levaram os EUA a trazer mais estrangeiros para seu solo, alguns deles com vínculos muito tênues com o país.

É possível que nenhum procurador federal tenha sido mais ativo na ampliação do alcance global de sua instituição que Loretta Lynch na época em que era procuradora federal no Brooklyn. As prisões de dirigentes da Fifa permitem supor que, agora que Lynch lidera o Departamento de Justiça, os processos envolvendo delitos e réus internacionais passem a ter prioridade ainda maior.

No caso da Fifa, os promotores optaram por não evocar a “jurisdição extraterritorial”. Em vez disso, basearam-se no fato de os réus usarem bancos americanos e fazerem reuniões nos EUA como base para acusá-los em um tribunal federal.

No caso dos processos por terrorismo, porém, os tribunais americanos estão julgando pessoas que não estavam atacando os EUA, que não são dos EUA e que nunca estiveram no país. Os promotores dizem que, nesses casos, quem opta por cooperar com os Estados Unidos entrega a custódia dos réus aos EUA.

Os EUA se tornaram “carcereiro, frente militar e agora promotor” que indicia acusados de crimes globais, especialmente crimes de terrorismo, disse Karen J. Greenberg, diretora do Centro sobre Segurança Nacional da Escola de Direito da Universidade Fordham, em Nova York.

No Brooklyn, o julgamento, neste ano, de Abid Naseer, membro paquistanês da Al Qaeda que conspirou para detonar uma bomba em Manchester, no Reino Unido, levou à corte agentes do MI5, policiais de Manchester e um especialista britânico em segurança de shoppings.

Outro homem, Lawal Babafemi, admitiu que deu apoio ao terrorismo e será sentenciado nos próximos meses. Ele é nigeriano e tinha viajado ao Chade e ao Sudão antes de ser levado irregularmente ao Iêmen por um ugandense. Ele foi preso e enviado ao Brooklyn.

Na corte federal de Manhattan, Mohamed Ahmed, acusado de terrorismo, escreveu ao tribunal dizendo que foi detido, espancado e interrogado na Nigéria por ordem do FBI. Os consulados da Suécia, onde ele era residente permanente, e da Eritreia, país do qual é cidadão, teriam negado a ele qualquer ajuda. Ele foi vendado, posto em um avião e enviado a Nova York para ser julgado.

Promotores e especialistas em segurança nacional disseram que os promotores estão indo atrás desses casos por vários motivos. Uma razão é simplesmente porque eles podem —em 2004 o Congresso ampliou a jurisdição extraterritorial nos casos de terrorismo. Os promotores veem os processos como uma alternativa inteligente à diplomacia ou aos ataques com drones.

Para Greenberg, os julgamentos federais são preferíveis à detenção por tempo indeterminado. Segundo ele, os casos mostram confiança no sistema de justiça criminal, em oposição a opções como interrogatórios ilegais e assassinatos seletivos. “Por outro lado, o país assume uma responsabilidade global que algum dia pode enfraquecer seu potencial de participar em outras áreas de policiamento global ligadas a questões mundiais, desde as drogas até a cibercriminalidade.”

No mês passado, Madhi Hashi se declarou culpado, em troca de uma sentença sugerida de 15 anos de prisão. A advogada Susan G. Kellman, que representa o corréu Mohamed Ahmed, disse mais tarde que os dois homens ainda não entenderam o papel dos EUA.

“Eles nunca quiseram fazer mal aos Estados Unidos”, comentou. “É isso que é frustrante para eles. Quem os acusa é um país que eles nunca quiseram ou tiveram a intenção de prejudicar.”

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