Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
religião

Um credo salvou os judeus do país

 |

Em algumas nações europeias a máquina de matar nazista fervia, mas poucas parecem mais notáveis e menos discutidas do que a Albânia.

Com albaneses comuns transportando judeus de esconderijo a esconderijo para não serem capturados, a Albânia salvou praticamente todos os seus 200 judeus nativos e outros 400 judeus refugiados da Alemanha e da Áustria. O país também ajudou a encorajar centenas mais nas terras dos Bálcãs ocupadas pelos nazistas.

"A Albânia era um dos únicos países europeus que tinham mais judeus no fim da guerra do que no começo", disse Michael Berenbaum, ex-diretor de projeto do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos.

Um retrato completo desse resgate somente surgiu no começo da década de 1990, depois do fim de um governo fechado, e foi confirmado pelo Yad Vashem, instituto de pesquisa do Holocausto, em 2007. A história será relembrada em oito de dezembro no Museu da Herança Judaica, em Nova York, quando entre os palestrantes estarão descendentes de salvadores albaneses e de judeus resgatados.

A Albânia tem motivos práticos para querer que essa história seja conhecida. O país quer se integrar à União Europeia, mas suas chances são prejudicadas pelo histórico de corrupção. A história não apenas destaca um episódio de magnanimidade como também mostra que os albaneses cumprem o prometido. Segundo Ferit Hoxha, embaixador albanês na Organização das Nações Unidas, a história do resgate mostra que "embora nós estivéssemos fechados sob um dos regimes comunistas mais ferozes, o povo desta nação é nobre e foi capaz de atuar com coragem como ninguém mais na Europa".

Em boa parte da Europa, a Solução Final foi de uma eficiência notável: 90 por cento dos 3,3 milhões judeus da Polônia foram assassinados, 88 por cento dos 240 mil judeus alemães, 77 por cento dos 70 mil judeus gregos, com números igualmente chocantes em outros lugares.

De acordo com especialistas no episódio, a diferença excepcional na Albânia está ligada a um credo nacional, chamado "besa", que obriga os albaneses a dar abrigo e livre passagem a qualquer um que busque proteção, principalmente se algo nesse sentido foi prometido. Não cumprir a promessa resulta em perda de honra e posição.

"O credo envolve a proteção inflexível de um convidado, mesmo a ponto de arriscar a vida da pessoa", escreveu Shirley Cloyes DioGuardi, organizadora do evento nova-iorquino. Segundo ela, outra explicação é que na Albânia, país católico e ortodoxo até que o domínio otomano levasse a conversões ao islã no século XV, a consciência étnica sempre sobrepujou a religião e a piedade é um ato ardoroso.

"Nós sabíamos que nossos inimigos queriam usar a religião para nos dividir e conquistar, mas nós sabíamos que tínhamos o mesmo sangue", disse Akim Alickaj, 59 anos, de etnia albanesa criado no Kosovo e dono de uma agência de turismo em Nova York e cujo pai ajudou a salvar judeus. "A religião muda, mas a nação e o sangue não podem ser mudados."

Quando os nazistas entraram na Albânia em setembro de 1943, dois judeus da cidade de Vlora – Rafael Jakoel e seu cunhado – se reuniram com o prefeito. De acordo com Felicita, neta de Jakoel, o prefeito lhes falou que "enquanto vocês estiverem aqui, não precisam se preocupar, mas alemães são alemães, então é melhor irem para a capital".

Rafael Jakoel e o cunhado foram para Tirana.

O pai de Felicita, Josef, então com 18 anos, junto da irmã mais jovem e do irmão, foram escondidos na casa do vice-prefeito de Vlora, convivendo com seus filhos.

Vários dos resgates aconteceram no Kosovo ocupado pelos nazistas, com grande população de albaneses étnicos e então integrante da Iugoslávia. Alickaj contou que seu pai, Arif Alickaj, era secretário executivo da cidade de Decan e, usando nomes muçulmanos comuns, emitiu identificações falsas para permitir aos judeus – muitos deles refugiados da Macedônia e da Sérvia – viajarem à Albânia. Pediram a ele uma lista de judeus, mas o pai garantiu que ali não havia nenhum, contou Alickaj.

Arsllan Rezniqi, amigo de Alickaj e dono de uma mercearia, tinha um caminhão que pegava frutas e hortifrútis da Macedônia e, ao longo do tempo, transportou 400 judeus para Decan. Leka Rezniqi, 28 anos, bisneto de Rezniqi e âncora de um noticiário de TV no Kosovo, contou que o avô chegou a construir uma casa para os refugiados e nunca foi denunciado.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.