A construção colonial, com piso de mármore e detalhes em ferro batido, já foi grandiosa, mas o que era um elegante posto do império britânico hoje está em ruínas, com o musgo cobrindo as paredes e a água da chuva escorrendo das calhas enferrujadas. O elevador, abandonado, está parado no primeiro andar. E não se movimenta há mais de 60 anos.
Seus ocupantes não são mais os mercadores que vendiam teca, óleo e arroz ao redor do mundo, mas advogados humildes e pequenos comerciantes que pagam um aluguel mínimo US$20/mês por um cubículo sem ar condicionado em um calor infernal e algumas famílias que vivem de graça nos quartos úmidos.
Chamado de Prédio Balthazar, o edifício é um entre centenas que fizeram dessa cidade um lugar de ostentação britânica em pleno trópico.
Agora a corrida é para salvar os bancos decorados com pilares coríntios, tribunais enfeitados com leões de pedra de calcário e escritórios de remessa marítima ricos em detalhes de madeira escura e latão antes que desabem.
Para Thant Myint-U, presidente do Fundo de Preservação Patrimonial de Rangum, a conservação das construções faria da cidade uma atração inigualável no Sudeste Asiático.
"O futuro está nas cidades. Ter um centro bonito e bem cuidado trará investimentos e nos colocará em vantagem em relação a Chennai e Kuala Lumpur, por exemplo", diz ele que atualmente está tentando convencer o governo que o antigo tem valor e deve ser preservado.
Durante o período colonial, Rangum foi a capital da Birmânia e um dos portos mais movimentados da região. A economia foi estatizada logo após a Segunda Guerra Mundial e, sob o governo militar que subiu ao poder em 1962, as construções do império foram apodrecendo aos poucos. Para piorar, as sanções econômicas impostas pelo Ocidente interromperam o fluxo de suprimentos.
Em 2005, o governo se mudou para uma nova capital: Naypyidaw, deixando vazios os prédios que, se não tinham manutenção, pelo menos ainda eram ocupados. Foi o início da derrocada do Secretariat, complexo da era vitoriana que se espalha entre jardins verdejantes e servira como sede do governo e que hoje precisaria de pelo menos US$100 milhões para se reerguer.
Muitas decisões, porém, são tomadas com base em objetivos específicos e, uma vez que a economia ainda passa por uma transição turbulenta, as construtoras buscam fechar contratos mais em conta. O fundo espera criar um plano geral para lidar com a questão legal de posse, determinar o grau de urgência dos projetos de reforma e cuidar de detalhes básicos como o trânsito e o lixo.
A ideia central do projeto é a de manter a vibração natural do centro em vez de tornar a área uma zona turística sem personalidade, apenas com hotéis e cafés caros, explica Thant Myint-U.
O charme indiscutível dos edifícios antigos deve muito à vida urbana que se desenvolveu ao seu redor, como os vendedores de livros ao longo da Rua Pansodan que espalham a mercadoria na calçada e tomam conta de seus pertences sentados em banquinhos de plástico e as barraquinhas improvisadas que vendem cobrinhas em pequenos vidros, melancias do tamanho de várias bolas de futebol, papaias cor de laranja e limões verdes feito esmeraldas.
No Prédio Balthazar, o saguão decrépito funciona como cozinha para Daw Than Hla, uma viúva de 63 anos. No fim de tarde, depois que o pessoal dos escritórios vai para casa, ela acende um braseiro em uma alcova ao lado do elevador e ali frita cebola fatiada no óleo quente, o aroma acrescentando um toque doméstico ao mármore em pedaços e à decoração em ferro enquanto prepara o jantar.
"Moro aqui há 40 anos. Meu marido trabalhava no Departamento de Pesca e, quando morreu, eles me deixaram ficar", conta ela, apontando para os quartos minúsculos onde dormiam a filha, o filho e o neto.
Alguns prédios foram demolidos, incluindo a sede do governo de 1895, resplandecente com seus torreões e cumeeiras, e a casa onde morou o chileno Pablo Neruda, que ali viveu na década de 20.
Durante um breve período o poeta foi cônsul de seu país em Rangum, posto não remunerado que o deixou pobre, mas rendeu um caso tórrido de amor com uma musa birmanesa a quem chamava Josie Bliss. Escreveu um poema durante esse período, "Rangoon 1927", que inclui as seguintes linhas:
Suprema luz que se abriu sobre mim de um mundo distante, entrou por meus olhos e correu pelas minhas veias e por todos os cantos do meu corpo até me outorgar a soberania de um amor desmedido e desterrado.
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