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Torneio de videogame em Seattle, em julho, atraiu 11 mil torcedores | Stuart Isett para The New York Times
Torneio de videogame em Seattle, em julho, atraiu 11 mil torcedores| Foto: Stuart Isett para The New York Times

Uma criatura fantástica — metade mulher, metade cervo — enfrenta um xamã e uma árvore senciente. Relâmpagos são vistos. Armas explodem. Terríveis feitiços ​​são lançados.

O videogame Dota 2, como tantos outros na internet, transporta equipes de jogadores dos quartos das suas casas para um mundo virtual verdejante, onde ferem uns aos outros através de toques no mouse e no teclado. Menos neste dia ensolarado de julho, quando cada ataque e contra-ataque de uma equipe de cinco pessoas motivava uma explosão de aplausos — por parte dos mais de 11 mil espectadores que lotavam o ginásio de basquete desta cidade.

Os competidores se engalfinhavam por uma gorda fatia do prêmio total de US$ 11 milhões, o maior valor já pago em um torneio de games. E o desenvolvedor do jogo, a Valve Corporation, deu mais um passo no sentido de legitimar o videogame como uma forma importante de espetáculo esportivo.

Depois de abalar o mundo do entretenimento — a receita global dos games supera em US$ 20 bilhões o faturamento do setor fonográfico, e está logo atrás da indústria cinematográfica —, a indústria dos games voltou suas ambições para o lucrativo mundo das competições profissionais de videogames, mais conhecidos como e-sports.

Os sinais de sucesso já espelham as realizações dos grandes esportes. Torneios de games lotam ginásios gigantes, e alguns atraem um público domiciliar maior que o dos principais eventos desportivos tradicionais. Pesos-pesados ​​como Coca-Cola e American Express se apresentaram como patrocinadores. Os prêmios em dinheiro subiram para a casa dos milhões de dólares, e os melhores jogadores chegam a faturar mais de US$ 1 milhão, além de atraírem torcidas grandes e apaixonadas. Isso atrai jogadores mais jovens a também buscarem fama e fortuna como gamers.

No ano passado, o Departamento de Estado dos EUA começou a conceder vistos para jogadores profissionais, sob o mesmo programa usado por atletas tradicionais. Neste semestre, a Universidade Robert Morris, de Chicago, vai distribuir mais de US$ 500 mil em bolsas esportivas para gamers, as primeiras do gênero nos Estados Unidos. Instituições da Ivy League, a elite universitária dos EUA, realizam jogos intercolegiais. A Amazon está adquirindo o Twitch, um popularíssimo serviço de streaming de vídeo usado por gamers, pela quantia de US$ 970 milhões, à vista.

"Este material está se expandindo para fora de controle", disse James Lampkin, gerente de produto da ESL (sigla em inglês de Liga dos Esportes Eletrônicos), um dos maiores torneios de e-sports, que em março reuniu 73 mil participantes em um evento de quatro dias em Katowice, na Polônia. "Não temos ideia de quais são os limites."

Como a disseminação do acesso à internet de banda larga e dos jogos gratuitos, as competições de games se multiplicaram em tamanho e frequência no mundo todo, indo além dos primeiros redutos, como a Coreia do Sul.

No evento de Seattle, torcedores entusiasmados, muitos deles fantasiados como personagens do jogo, agitavam bandeiras nacionais para demonstrar o apoio às suas equipes. Os locutores narravam cada jogada. Confetes foram disparados na direção da multidão quando os vencedores foram coroados.

Mais de 70 milhões de pessoas em todo o mundo assistem e- sports pela internet ou pela TV, de acordo com estimativas da Superdata Research. A Coreia do Sul tem até um canal de televisão dedicado em grande parte aos e-sports. Em outubro passado, um campeonato de League of Legends, um jogo de batalhas campais, teve picos de audiência de 8,5 milhões de espectadores simultâneos on-line, no mundo todo. Neste ano, o campeonato de League of Legends deve atrair 40 a 50 mil participantes a um estádio de futebol em Seul.

Com o aumento da base de torcedores e dinheiro, surgiram várias ligas independentes, como a ESL e Major League Gaming, que juntos organizam dezenas de competições por ano. Os produtores dos jogos também fazem eventos. "Eu não acho que já tenhamos visto oportunidades tão promissoras para os e-sports quanto hoje", disse Robert Kotick, executivo-chefe da Activision Blizzard, uma editora de games.

Como jogadores profissionais muitas vezes se exercitam em sites como o Twitch, os fãs podem ficar espiando "nos bastidores" os treinos dos jogadores.

"Imagine se LeBron James e Michael Jordan, em todos os treinos e em cada jogo ao vivo da NBA, tivessem uma câmera GoPro presa no peito e um fone em que pudessem ouvir as pessoas fazendo perguntas diretas e, ocasionalmente, respondê-las quando estivessem jogando", disse Dennis Fong, 37, um dos primeiros jogadores profissionais, e agora presidente-executivo da Raptr, uma rede social para gamers.

Os prêmios financeiros e a produção caprichada também acrescentam uma pitada de emoção aos e-sports. No torneio de Dota 2 na Key Arena, em Seattle, sobre um palco diante do imenso salão, duas equipes de cinco jogadores ocupavam cabines à prova de som que pareciam estufas, enquanto um telão com a altura de dois andares projetava uma visão de dentro do jogo. Dentro das cabines — feitas para impedir que as equipes escutem o narrador revelar detalhes sobre as posições inimigas — os jogadores clicam seus mouses, mal se movendo em seus assentos. A torcida ruge sempre que uma equipe conseguiu uma morte tripla, realiza uma emboscada ou executa algum outro feito habilmente coordenado.

Nos alto-falantes do ginásio, dois locutores descreviam em inglês os ataques dos times.

"Você ainda pode ouvir os gritos de ‘USA’", disse Peter Dager, o capitão de um time de Dota 2 dos EUA, chamado Evil Geniuses, que ficou em terceiro lugar no torneio, vencido por chineses. A equipe de Dager dividiu um prêmio superior a US$ 1 milhão. "Para um garoto de 22 anos de idade que mora em casa [com os pais], é muito surreal."

Quando não está competindo perante milhares de pessoas, Dager trabalha no seu quarto da infância, em Fort Wayne, Indiana. Ele é confiante e analítico e, com 22 anos, tem uma idade próxima da média entre seus colegas de equipe. Não há muitos jogadores profissionais com mais de 30.

Na opinião de Dager, as barreiras físicas para se tornar um competidor de e-sports são muito menores do que para os esportes convencionais. Ele cita os dedos e o cérebro como as principais ferramentas que as pessoas precisam para começar. O que a maioria das pessoas não tem, segundo ele, é um foco singular em games, a vontade de afastar todas as demais distrações.

A renda de Dager foi magra no ano passado, sem superar US$ 20 mil. Mas ele estima que o seu rendimento desde o começo deste ano já passou de US$ 200 mil.

Recentemente, ele procurou um apartamento para comprar em Fort Wayne. Seu pai, Joe Dager, se disse orgulhoso do sucesso de seu filho, mas incerto sobre a longevidade da carreira dele.

"Praticamente não passa uma semana sem que reiteremos o fato de que está tudo muito bem, mas que em algum momento você precisa fazer provisões para terminar a escola", disse o pai.

Para as empresas envolvidas no setor de videogames, a esperança é de que as grandes audiências atraiam mais dinheiro de anunciantes importantes.

O atrativo para os anunciantes é o público: principalmente homens empregados, de 18 a 35 anos, grupo mais difícil de alcançar com as propagandas de televisão convencionais.

Ainda assim, para que o ciclo prossiga, a indústria provavelmente precisará superar algumas opiniões arraigadas sobre os games. Quando o canal esportivo ESPN2 exibiu um programa sobre o torneio de Dota 2, em julho, o Twitter foi inundado com comentários depreciativos sobre o fato de e-sports serem mostrados como um esporte.

Para Lampkin, a discussão sobre se os games são um esporte no sentido tradicional não vem ao caso agora.

"Se você não quiser chamá-lo de atletismo ou de esportes, isso não significa nada para mim", disse ele. "Isso não muda a realidade do enorme crescimento que estamos vendo."

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