As mudanças climáticas são uma grande ameaça à saúde humana? A lógica sugere que sim. No entanto, muitos especialistas dizem que ainda não podemos ter certeza disso.
Os cientistas concordam que há evidências crescentes de que o aquecimento global afeta nossa saúde, mas dizem que esse é apenas um fator de um conjunto imensamente complexo de forças que influem sobre ela.
Eles notam, por exemplo, que foram as viagens e o comércio global, não as mudanças climáticas, que levaram os primeiros casos de chikungunya (doença tropical transmitida por mosquitos) à Flórida.
A temperatura pode estar subindo, mas o número total de mortes decorrentes do calor não está, em parte porque o progresso ajuda as pessoas a se adaptarem: há mais ambientes com ar condicionado, por exemplo, e os tratamentos de doenças cardíacas, fator importante de risco na mortalidade ligada ao calor, vêm melhorando. “Há muitos sinais de que as condições climáticas extremas prejudicam as pessoas. Mas não sabemos se esses efeitos estão se agravando”, disse Patrick L. Kinney, da Universidade Columbia.
Mesmo assim, as mudanças climáticas têm seu impacto. Por exemplo, hoje as plantas do gênero Ambrosia florescem por duas a três semanas a mais no centro-norte dos EUA do que floresciam algumas décadas atrás, estendendo a temporada das alergias de outono, segundo estudo liderado por Lewis H. Ziska, do Departamento de Agricultura dos EUA.
No entanto, Mary H. Hayden, do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas, comentou, falando da dengue: “Acho que não podemos descartar o papel do clima. Mas será que podemos afirmar que existe uma ligação causal direta? Não podemos. É mais complexo.”
Os estudos científicos do tema ainda estão em seus primórdios. Nos países em desenvolvimento, os dados sobre insetos, contagem de pólen e doenças muitas vezes são incompletos. Muitos estudos apontam para associações —ou seja, que duas coisas acontecem ao mesmo tempo—, mas não deixam claro se uma coisa é a causa da outra.
Os efeitos do clima sobre a saúde são menos pronunciados nos países ricos, onde as pessoas vivem protegidas contra as intempéries do tempo. Um estudo que comparou Laredo, no Texas, com Nuevo Laredo, do outro lado da fronteira mexicana, constatou que a incidência de dengue é mais alta no México, apesar de o mosquito ser mais abundante no Texas. Pesquisadores atribuem a vantagem texana mais a questões econômicas —ar condicionado e janelas que fecham— que ao clima.
Apesar disso, as mudanças climáticas também estão afetando a saúde das pessoas nos países desenvolvidos. A população de carrapatos no Canadá explodiu nos últimos anos após algumas áreas do país ficarem mais quentes.
Os insetos como carrapatos e mosquitos não conseguem regular sua própria temperatura corporal. Logo, seus ciclos de reprodução, alimentação e vida são muito sensíveis à temperatura. Hoje ocorrem no Canadá cerca de 700 casos anuais de doença de Lyme, contra 40 há 15 anos. Quase todas as infecções passadas eram adquiridas fora do Canadá. Hoje a maioria é contraída localmente.
Porém, a doença de Lyme é também um exemplo de como é difícil tirar conclusões rápidas. A doença está se deslocando para o sul. Hoje, grandes seções da Virgínia e partes da Carolina do Norte estão inundadas dos carrapatos que transmitem a doença. Parece, contudo, que isso guarda pouca relação com o clima. C. Ben Beard, dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças, em Atlanta, disse que o reflorestamento no leste dos EUA e o crescimento das populações de cervos e humanos parecem ter contribuído para o fenômeno.
O calor causou centenas de mortes no Paquistão recentemente. Muitas das vítimas eram adultos mais velhos e pessoas que passavam muito tempo ao ar livre. Cientistas dizem que é praticamente impossível vincular um evento climático específico a mudanças climáticas, mas afirmam com certeza crescente que a temperatura está se elevando.
Um estudo publicado no periódico “The Lancet” em maio analisou 74 milhões de mortes ocorridas em mais de dez países entre 1985 e 2012 e constatou que 8% das mortes foram provocadas por temperaturas anormais.
A incidência de mortes causadas pelo frio —mais de 7%— superou de longe a de mortes causadas pelo calor —0,42%.
Os riscos para a saúde decorrentes das mudanças climáticas são fundamentalmente locais. Os perigos do calor são maiores em Nova Déli que em Nova York, não apenas porque faz mais calor na cidade indiana, mas porque menos moradores de Nova Déli têm eletricidade, casas resistentes e assistência médica moderna.
Com isso, torna-se arriscado tirar conclusões amplas. Porém, isso não significa que os riscos não estejam presentes. Como observou Kinney, “se esperarmos até as evidências serem irrefutáveis, pode já ser tarde demais”.