Assédio, prisões, mandados de prisão e intimações judiciais contra líderes políticos da oposição, empresários e jornalistas independentes continuam na Nicarágua, menos de cinco meses antes das eleições gerais nas quais o ditador Daniel Ortega buscará mais uma reeleição. Nas últimas 24 horas, o Ministério Público ordenou a prisão de Humberto Belli, irmão da poeta e escritora nicaraguense Gioconda Belli, e do empresário Gerardo Baltodano Cantarero, irmão do general reformado Álvaro Baltodano, delegado presidencial para o impulsionamento de investimentos. A Polícia Nacional, liderada por Francisco Díaz, sogro de Ortega, invadiu suas casas na noite de sexta-feira, mas eles não foram encontrados, segundo familiares.
Belli, autora do romance O país das mulheres, vencedor do Prêmio de Literatura Latino-americana La Otra Orilla 2010, confirmou em um tweet que seu irmão, que era ministro da Educação no governo de Violeta Barrios de Chamorro (1990-1997), deixou o país. “Em outro país, meu irmão teria ido ao Ministério Público para defender sua inocência, mas neste, onde o condenam sem razão ou julgamento, ele fez bem em tomar precauções e sair. Seu segundo exílio. Triste”, lamentou.
Ministério Público intima empresários e investiga jornalistas
Outro empresário, Roberto Martino Salvo Horvilleur, se apresentou à Procuradoria Geral da República como parte do processo de investigação contra a ONG Fundação Nicaraguense para o Desenvolvimento Econômico e Social (Funides), de acordo com um comunicado do Ministério Público. O MP abriu uma investigação contra a Funides, um think tank independente ligado ao candidato presidencial de oposição preso Juan Sebastián Chamorro. O inquérito contra a fundação e seu conselho acontece sob a acusação de administração de recursos econômicos financiados por fontes estrangeiras. Um juiz nicaraguense ordenou a quebra do sigilo bancário, o congelamento das contas e a proibição de 13 empresários de deixarem a Nicarágua.
Além da Funides, a Procuradoria Geral está investigando a Fundação Violeta Barrios de Chamorro para a Reconciliação e Democracia, que foi dirigida pela jornalista e pré-candidata à Presidência Cristiana Chamorro. O Ministério Público disse ter convocado os jornalistas Donaldo Hernández, da Voz da América; Lester Arcia, do site IP Nicarágua; e Digna Bendaña. Segundo a Justiça, eles “responderam às perguntas que lhes foram feitas, assinaram uma ata e foram liberados”.
“As pessoas que foram convocadas e que continuarão sendo convocadas são aquelas ligadas às fundações Violeta Barrios de Chamorro e Funides e todos aqueles que estão sob investigação por terem provas de que atacaram a sociedade nicaraguense e os direitos do povo”, divulgou o Ministério Público, que anunciou que continuará realizando o que chama de “procedimentos de investigação necessários”. Cristina, filha de Violeta Barrios de Chamorro e figura da oposição com maior probabilidade de vencer as presidenciais de novembro, tem estado sob prisão domiciliar nas últimas duas semanas sob acusações de gestão abusiva e falsidade ideológica, ambos com agravante de lavagem de dinheiro, bens e ativos.
Ex-vice-presidente sandinista pede reação internacional
Entre os intimados para depor pelo Ministério Público estava o escritor, romancista e ex-vice-presidente da Nicarágua Sergio Ramírez Mercado. Vencedor do Prêmio Cervantes 2017 e vice-presidente durante o primeiro governo sandinista, de 1979 a 1990, ele agora é crítico de Ortega e apelou na sexta-feira para a solidariedade internacional.
Ramírez quer uma reação à onda de invasões, prisões e mandados de prisão contra líderes da oposição e empresários. Nas duas últimas semanas, dois ex-vice-ministros das Relações Exteriores, dois ex-guerrilheiros históricos dissidentes sandinistas, um ex-líder empresarial, um banqueiro, quatro ativistas e dois ex-colaboradores de uma ONG foram presos sob a acusação de vários crimes.
A repressão já recebeu a condenação da OEA, dos Estados Unidos e da União Europeia. O agravamento da crise política levou cerca de 20 congressistas americanos a apresentar, nesta sexta-feira, um projeto de lei bipartidário que pede a revisão do Acordo de Livre Comércio assinado com a Nicarágua, devido à repressão contra a oposição ao governo, classificada como “violenta”.