O “Monitoreo Azul y Blanco”, organização que monitora a violação dos direitos humanos na Nicarágua, registrou, em maio, 181 casos de violações de direitos humanos pela ditadura de Daniel Ortega: 81 processos criminais, 29 casos de perseguição, 27 suspensões de advogados, 16 casos de intimidação, dez ações de “repressão” migratória, duas agressões físicas e 63 detenções arbitrárias por crimes de “traição à pátria”. Entre os detidos, um morreu em circunstâncias não esclarecidas e quatro são sacerdotes, segundo relatório aprovado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Na mira, está a diocese de Matagalpa e Estelí, da qual dom Rolando Álvarez era bispo titular e administrador, pois três dos quatro sacerdotes presos em maio eram de lá. Dessa forma, Pastor Rodríguez e Leonardo Guevara, das paróquias de Jalapa e Estelí, enfrentam um processo por “questões administrativas da extinta Cáritas Diocesana de Estelí”. E depois foi preso o padre Jaime Montecinos, pároco da igreja João Paulo II, no município de Sébaco (Matagalpa).
Em 27 de maio, a Polícia Nacional emitiu um comunicado acusando a Igreja Católica da Nicarágua de esconder “centenas de milhões de dólares em sacas localizadas em estruturas pertencentes à diocese do país” e de fazer parte de uma “rede de lavagem de dinheiro”. No entanto, o jornal El Confidencial esclareceu que os fundos retidos “são tudo menos ilegais” e correspondem a uma doação de US$ 563.206,54 feita pela Catholic Relief Services Foundation (CRS) em 2012 à Associação (ACDE). A CRS é uma instituição fundada pelos bispos católicos dos Estados Unidos para ajudar os sobreviventes da Segunda Guerra Mundial e opera em 101 países.
A duvidosa acusação de “lavagem de dinheiro” foi a desculpa perfeita de Daniel Ortega para congelar as contas correntes de dioceses de todo o país: a primeira foi Manágua, presidida pelo cardeal Leopoldo Brenes, e depois Matagalpa e Estelí, do bispo encarcerado Rolando Álvarez. A decisão não só afeta diretamente o trabalho da Igreja Católica, obrigada a viver com as poucas ofertas em dinheiro de seus fiéis, mas também tem impedido os professores das escolas católicas de receber seus salários.
Além disso, o escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos recentemente expressou preocupação com a deterioração da situação na Nicarágua, já que das 63 prisões arbitrárias em maio, 55 foram realizadas em uma única noite, em detrimento de pessoas acusadas de “conspiração visando minar a integridade nacional", uma acusação que o governo frequentemente usa para calar seus críticos.
“Estamos cada vez mais preocupados com a deterioração da situação dos direitos humanos na Nicarágua, onde as autoridades continuam a silenciar ativamente qualquer voz crítica ou dissidente no país, utilizando para tal o sistema judiciário”, disse Martha Hurtado, porta-voz da ONU, sublinhando que entre os detidos estão defensores dos direitos humanos, opositores políticos, jornalistas, trabalhadores rurais e pessoas ligadas à Igreja Católica. Além dos quatro padres detidos, também foram presos quatro funcionários leigos da Igreja entre os dias 21 e 23 de maio. A razão? A ditadura intensificou seu ataque à Igreja Católica, como evidenciado pelas expropriações arbitrárias de centros educacionais sob sua administração, realizadas à noite e com métodos violentos.
Em 18 de maio, a Universidade Católica da Imaculada Conceição da arquidiocese de Manágua (UCICAM) foi fechada, com o pretexto de “dissolução voluntária”, segundo o acordo ministerial 77-2023. A Ucicam foi inaugurada em 2011 e era um centro de formação para seminaristas de várias igrejas locais da América Central. Mas não é um caso único: no ano passado, as autoridades nicaraguenses fecharam outras 17 universidades privadas, sempre fazendo-as passar por cessões “voluntárias” de atividades. E mais recentemente, em 1º de junho, o governo cancelou o status legal da Associação “Hijas de Santa Luisa de Marillac no Espírito Santo”, ordenou a expropriação de seus bens e expulsou três religiosas estrangeiras. E fez o mesmo contra o Colégio Susana López Carazo das Irmãs Dominicanas da Anunciata, com a expulsão das três religiosas daquela congregação.
É evidente o constante e sistemático ataque do ditador Daniel Ortega contra a Igreja Católica desde que voltou ao poder em 2007, mais do que sob o primeiro regime da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) na década de 1980. Isso é confirmado pela advogada Martha Patricia Molina, que documentou 529 ataques contra a Igreja Católica nos últimos cinco anos, dos quais 90 registrados no primeiro trimestre de 2023. E não é só: o regime também adotou medidas restritivas à liberdade religiosa, como a proibição de procissões públicas durante a Semana Santa. Posteriormente, em entrevista publicada pela Infobae em 10 de março, o papa Francisco falou de um “desequilíbrio” em Daniel Ortega, comparando seu governo a uma “ditadura hitlerista”. Logo em seguida, o ditador suspendeu as relações diplomáticas com o Vaticano.
A Nicarágua sofreu uma deriva autoritária desde abril de 2018, que se acentuou após as polêmicas eleições gerais de 7 de novembro de 2021, nas quais Daniel Ortega foi reeleito para um quinto mandato, o quarto consecutivo e o segundo com sua esposa Rosario Murillo como sua vice-presidente.
*Marinellys Tremamunno é uma jornalista profissional ítalo-venezuelana, natural de Caracas. É bacharel em comunicação social pela Universidade Central da Venezuela (2002) e mestre em jornalismo digital pela Universidade Internacional de Valência (Espanha, 2011). Hoje mora em Roma, trabalha para a Nuova Bussola Quotidiana e é correspondente de vários meios de comunicação internacionais.
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