Idealismo
Curitibano relembra experiência na Nicarágua
O arquiteto curitibano Marcelo Viller era recém-formado na universidade, engajado no movimento estudantil e militante do PT quando, aos 22 anos, foi para a Nicarágua trabalhar como voluntário. Entre março e dezembro de 1985 ele fez projetos de reforma agrária e incentivo às comunidades rurais. Daniel Ortega era presidente do país desde 1979, quando assumiu após a Revolução Sandinista, e havia sido eleito no final de 1984 para permanecer no cargo.
Viller lembra com saudades da época que considera de muito idealismo e considera ter sido um "momento muito bom da revolução", em que o país passava por mudanças positivas, havia grande avanço na saúde e o analfabetismo estava sendo reduzido drasticamente.
"Era uma democracia com viés socialista, independente da órbita soviética, com economia de mercado, abastecimento feito por empresas privadas, liberdade imprensa, liberdade política, havia seis ou sete partidos. Era diferente do modelo soviético, que tinha partido único e controle do Estado na economia", recorda o arquiteto, que chegou a estar com Lula durante uma visita do então sindicalista à Nicarágua.
Mesmo com todo o otimismo, quem trabalhava na zona rural precisava passar por treinamento militar para se proteger de emboscadas. O brasileiro chegou a trabalhar portando uma metralhadora. Eram os sinais da guerra civil.
Os contrarrevolucionários, que contavam com apoio dos Estados Unidos, reagiram cada vez com mais força ao regime sandinista. Para Viller, foi a guerra que fez com que o governo invertesse as prioridades e passasse a investir na defesa em primeiro lugar e, cada vez menos, em saúde e educação. O transporte ficou difícil, a falta de energia era recorrente. Muitas famílias começaram a ficar insatisfeitas quando o serviço militar passou a ser obrigatório.
Entre 1990 e 2007, presidentes de direita estiveram no poder. O paranaense compara o regime de Ortega, que voltou ao posto na última década, com o PT que assumiu o poder no Brasil e se tornou bem mais brando.
"O governo de Ortega hoje guarda muito pouca relação com o governo revolucionário. A gente reclama do PT, que na época era oposição idealista, mas lá é bem mais complicado, fizeram aliança com antigos inimigos que eles mesmos derrubaram durante a revolução".(JN)
O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, soma 15 anos no poder. Ele ocupou a Presidência do país de 1979 a 1990 e voltou ao cargo em 2007. Nas eleições deste domingo, o presidente é o mais cotado para ocupar o posto nos próximos cinco anos. De acordo com uma pesquisa realizada pelo instituto Cid Gallup, ele conta com 48% das intenções de voto.
O segundo colocado é Fabio Gadea, do Partido Liberal Independente (PLI), que tem 30%. Arnoldo Alemán, do Partido Liberal Constitucionalista (PLC), que foi presidente do país entre 1997 e 2002, ocupa o terceiro lugar, com 11%. O candidato vencedor precisa ter 40% dos votos válidos ou pelo menos 35% com cinco pontos à frente do rival mais próximo.
Ortega, da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), foi eleito com 38% dos votos na última eleição. Ele só pôde se candidatar à reeleição porque, em 2009, a Corte Suprema do país passou a considerar inaplicável o artigo da Constituição que proibia a reeleição consecutiva. Para os opositores do presidente este foi um golpe político que compromete a democracia no país.
Lier Pires Ferreira, pesquisador do Programa de Estudos de América Latina e Caribe da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Proealc/UERJ), considera que é muito difícil dizer que a Nicarágua é uma democracia. "Com uma ação político-jurídica muito próxima àquela que garantiu o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, aqui no Brasil, os sandinistas alteraram a Constituição e garantiram a Ortega o direito de se candidatar em 2011. Mais uma vez, os fundamentos da democracia parecem abalados na Nicarágua."
Para o professor Eliel Machado, coordenador do Grupo de Estudos de Política da América Latina da Universidade de Londrina (Gepal UEL), a Nicarágua vive uma realidade política semelhante à de outros países latino-americanos. "Quando algumas candidaturas ameaçavam o status quo, os donos do poder não admitiam as reeleições. Quando passaram a não ameaçar mais, a legislação mudou permitindo pelo menos o direito à reeleição", diz.
O sociólogo da Universidade Federal Paraná Dimas Floriani defende a democracia nicaraguense e observa que os sandinistas, "apesar dos erros estratégicos, nunca aboliram os processos democráticos na Nicarágua". "É algo original, conseguiram fazer passagem de um sistema social para outro, dentro da democracia", defende.
Apoio de Chávez
Ortega conta com o apoio do venezuelano Hugo Chávez. Conforme apurou a agência de notícias France Presse (AFP), desde 2007, a Venezuela já contribuiu com 1,6 bilhão de dólares em ajuda para a Nicarágua, que é o segundo país pobre da América Latina, atrás apenas do Haiti.
Em 2009, o professor de Ciência Política da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) Másimo Della Justina visitou a Nicarágua e ainda pôde ver as marcas da guerra civil entre os sandinistas e os contrarrevolucionários. "Há um desespero econômico e um respeito mútuo frágil", observa. O professor relata que era comum ver civis portando armas como metralhadoras AK-47.
Do ponto de vista ideológico, Della Justina considera que o regime sandinista "se tornou obsoleto e não criou raízes". Para ele, ao retomar o poder, Ortega manteve a liberalização do mercado, feita durante os 16 anos de governos de direita e não busca mais o modelo de um Estado de bem- estar social.
Comparações com Cuba
O fato de uma revolução de caráter socialista ter derrubado um ditador levou intelectuais como Vargas Llosa a compararem a revolução Sandinista com a Revolução Cubana. Ferreira explica que, ainda que a ambos os processos revolucionários tivessem caráter anti-imperialistas, Cuba esteve por 45 anos sob comando de Fidel Castro, enquanto a Nicarágua teve quatro presidentes diferentes desde a sua revolução. "Na Nicarágua, existe uma oposição mais sólida e consistente", diz o professor da UERJ.
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