Jovens são revistados no centro de detenção juvenil de Badam Bagh, em Cabul, Afeganistão, depois de visitarem suas famílias, em 8 de agosto de 2018. Crianças afegãs de até oito anos foram presas após serem pegas preparando ataques suicidas. As autoridades se preocupam com o que fazer quando crescerem.| Foto: KIANA HAYERI/NYT

O garoto de 14 anos se agachou no chão da cela e, sem cerimônia, começou a declamar os versos de um poema pachto em voz alta e bela. Era uma elegia a capella na qual o prisioneiro implora à família que não o visite no feriado muçulmano do Eid. 

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"E não venha nos ver no Eid, pois não estaremos livres para recebê-lo / Não quero que você olhe para meu peito nu, pois não há botões na minha camisa / Não venha a este asilo, pois somos todos lunáticos aqui". 

Seu nome é Muslim e ele se encontra entre os 47 meninos presos no centro de detenção juvenil de Badam Bagh, em Cabul, todos considerados ameaças à segurança nacional. A maioria foi acusada de plantar, carregar ou levar no corpo algum tipo de bomba; muitos, inclusive, como Muslim, acusados de tentar ataques suicidas. 

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Ninguém da família do rapaz foi visitá-lo durante o Eid do ano passado. "Estão bravos comigo. E não os culpo", diz, lúcido. 

Para as autoridades, jovens como ele representam um dilema: o que fazer quando cumprirem suas penas, que geralmente variam de dois a dez anos? Muitos serão soltos quando estiverem chegando à idade adulta, ou seja, quando tiverem capacidade de causar mais problemas.

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O ministro da Justiça afegão organizou a visita deste repórter que vos escreve à detenção em agosto passado, a pedido do "The New York Times". Por serem menores, todos os meninos mencionados neste artigo são identificados apenas pelo primeiro nome, e só os que são mais comuns no Afeganistão. Somente os que concordaram com esse detalhe participaram da entrevista, feita na presença de um funcionário do ministério e um orientador. 

A faixa etária dos detidos naquela que os funcionários da Badam Bagh chamam de "ala dos homens-bomba" varia de doze a dezessete anos. Seus casos estão em vários estágios; alguns já foram condenados e estão cumprido pena, enquanto outros aguardam julgamento. 

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“Inocentes”

Todos, porém, têm uma queixa em comum: no que lhes diz respeito, não há homens-bomba na ala que leva esse nome e fica no terceiro andar da detenção. 

Muslim, que é da província de Kunar, no leste do país, diz que era apenas recruta do Talibã. "Não sou homem-bomba, não; os talibãs me forçaram a lutar por eles." Mas, em seguida, acrescenta com uma piscadela e um sorriso: "Na cadeia, todo mundo mente." 

Ele conta que está ali há um ano e oito meses e que, durante esse tempo, ninguém da família foi vê-lo. Deve cumprir mais dois por planejar um ataque suicida. 

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Shakur, de 14 anos e originário de Kunduz, estava preso havia apenas uma semana na ocasião da entrevista. Ainda tem cortes e cicatrizes na cabeça e nos braços, causados por um explosivo que detonou acidentalmente em seu rosto. Conta que estava com outra pessoa que deflagrou o explosivo e não podia fazer nada mais além de correr. 

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Aminullah, também de 14 anos, está na cadeia há 14 meses. Aos treze, foi pego com uma sacola cheia de explosivos e um telefone repleto de mensagens dos talibãs, instigando-o a matar norte-americanos. "Os policiais me bateram e me forçaram a confessar", garante. 

Atiqullah, de 16 anos, está na cadeia há sete meses, onde foi parar depois de ter detonado uma bomba que matou seis pessoas e feriu oito. A polícia conta que o garoto só não morreu porque o artefato explodiu antes da hora, mas que ele tinha a intenção de morrer no atentado. Na cela, deixou crescer a sombra de barba que tinha. "Fiz, sim, mas não queria me matar", garante. 

Mohammad Aman Riazat, o funcionário do ministério da Justiça que organizou a visita, não faz caso de nenhuma das alegações. "Todo mundo aqui é inocente, mas o fato é que esses jovens são, sim, homens-bomba." 

Nossas convicçõesÉtica e a vocação para a excelência

Os acusados de envolvimento em atentados com explosivos ficam separados das outras quase 700 crianças de Badam Bagh, presídio que até 2017 só abrigava mulheres e, em alguns casos, crianças muito pequenas. Hoje, entretanto, é um centro de detenção juvenil. Em agosto, com exceção de 21 prisioneiros, todos eram garotos. 

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"Não podemos deixar esses meninos com os outros porque certamente vão querer passar o extremismo adiante e 'infectá-los', ou seja, o menino entra aqui ladrão e sai homem-bomba", diz o ministro da Justiça afegão, Abdul Baseer Anwar. 

Os atentados suicidas são endêmicos no Afeganistão: em 2017, segundo os registros compilados pelo "The New York Times", houve pelo menos 67 ocorrências desse tipo no país, envolvendo 151 homens-bomba. 

Acredita-se que os números de 2018 tenham sido ainda mais altos porque os ataques passaram a ser organizados pelo EI, embora a maioria deles ainda seja perpetrada pelos talibãs. 

Shakur, de 14 anos, de Kunduz, com cortes e contusões de uma bomba que explodiu acidentalmente em seu rosto na semana anterior. Ele está preso no centro de detenção juvenil de Badam Bagh, em Cabul, Afeganistão.  

Crianças são maioria

É complicado reunir dados estatísticos sobre o número de crianças que se tornam suicidas, principalmente porque quase sempre não há evidências periciais uma vez que o atentado é perpetrado. Entretanto, acredita-se que seus autores sejam ou meninos ou homens jovens (no Afeganistão há pouquíssimas mulheres-bomba, embora muitos se disfarcem em roupas femininas).

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Nossas ConvicçõesA finalidade da sociedade e o bem comum

O fato é que os presídios afegãos têm menos adultos que crianças acusadas de planejar ou realizar esses atentados pelo simples fato de os mais velhos serem bem-sucedidos. 

A maioria dos jovens extremistas de Badam Bagh garante ter sido convencida pelos orientadores a rejeitar o Talibã e apoiar o governo afegão, mas a conversão não é levada muito a sério pelos agentes carcerários. Apesar disso, apenas um em doze jovens entrevistados admitiu ainda ser defensor do Talibã; mesmo os que já tinham sido condenados negaram apoiar o grupo. 

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Em 2011, o então presidente Hamid Karzai concedeu perdão a 24 meninos com idades entre oito e dezoito anos que tinham sido acusados de planejar ou executar ataques suicidas. Reuniu-se com eles antes da soltura e lamentou a doutrinação por que muitos passaram nas mãos dos talibãs, chamando-os de "crianças inocentes incitadas pelos inimigos do Afeganistão". 

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Um deles, Nasibullah, que teria dez anos na época, embora parecesse muito mais jovem, foi preso novamente menos de um ano depois. O Diretório Nacional para Segurança, como é conhecida a agência de espionagem nacional, afirma que ele estava planejando um segundo atentado com um colete recheado de explosivos. 

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Na coletiva realizada após sua prisão, Nasibullah novamente se mostrou arrependido e implorou que fosse solto, prometendo não retornar mais à madrassa onde já fora treinado duas vezes. 

Doutrinação

Praticamente todos os meninos detidos sob acusações relacionadas a ataques suicidas foram arregimentados nessas escolas religiosas conservadoras que servem de centros de recrutamento e doutrinação para homens-bomba. 

Nasibullah não foi solto na época e, apesar de ser menor de idade, não é mais mantido no centro de detenção juvenil. Funcionários do ministério da Justiça afirmam não saber o que foi feito do jovem. 

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O ministro Anwar diz que as penas para criminosos juvenis são mais leves por causa da idade, mas admite que a pasta não tem condições de custear cursos e terapias para afastá-los do extremismo. "A grande maioria volta a lutar contra o governo depois de solta", lamenta. 

Como Muslim, seu companheiro de cela, Atiqullah – o jovem de 16 anos cuja bomba explodiu prematuramente – também recita um poema pachto que aprendeu ali na prisão, uma elegia que, ao mesmo tempo, lamenta e exalta o encarceramento. Agachado, ele emposta a voz jovem de tenor e declama: "Em nossos grilhões, há lições a ser aprendidas / O sol brilha e revela os segredos de nosso mundo / As correntes são belas criações de Deus / As correntes em nossos braços nos ferem / Mas as cicatrizes em nossas mãos nos ensinam uma lição". 

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