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Com mortes de ontem, a União Europeia aprovou sanções contra a Ucrânia, proibindo vistos, congelando bens e impondo restrições na exportação de produtos “repressores” (embora a exportação de armas de fogo continue) | Reuters
Com mortes de ontem, a União Europeia aprovou sanções contra a Ucrânia, proibindo vistos, congelando bens e impondo restrições na exportação de produtos “repressores” (embora a exportação de armas de fogo continue)| Foto: Reuters

Opinião

Violência afasta os ucranianos da democracia

Demetrius Pereira

Manifestações populares, em parte marcadas pela violência, eclodiram na Ucrânia após o governo ter preferido aproximar-se da Rússia, recusando um acordo de associação com a União Europeia (UE). Desde o fim da Guerra Fria, em que a Ucrânia separou-se da Rússia com o esfacelamento da União Soviética, os russos vêm buscando recuperar a sua órbita de influência. Esse objetivo russo tem enxergado na expansão do bloco europeu seu principal obstáculo.

No ano de 2004, a UE começa sua expansão a leste e, além de receber países da extinta "Cortina de Ferro", como Polônia e Hungria, acolheu também ex-repúblicas soviéticas, os chamados países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia). Desses três Estados, os dois primeiros já aderiram à zona do euro e a Lituânia exerceu a presidência do bloco no semestre passado, quando o acordo com a Ucrânia foi abortado.

A adesão à UE traz, entre outras, duas grandes consequências, de ordem política e econômica. Politicamente, a democratização é um requisito essencial para a entrada de novos membros. Economicamente, o país começa a fazer parte de um mercado comum nos moldes capitalistas. As manifestações do povo ucraniano, empunhando bandeiras da UE pelas ruas geladas do país, trazem um recado: mais democracia e aproximação do mercado único europeu.

A repressão violenta a manifestações pacíficas confirma, desse modo, o distanciamento da democracia, aumentando ainda mais a vontade dos ucranianos de pertencerem à Europa.

Demetrius Pereira, professor de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco e doutor em Política Europeia.

47 mortos foram confirmados ontem pela Secretaria Municipal de Saúde, o que eleva a 75 o número oficial de mortos nos últimos três dias. O coordenador dos médicos voluntários, Oleh Musiy, afirmou que, ontem, foram 70 mortos e 500 feridos.

  • Manifestantes carregam sacos com pedras para montar barricadas no centro de Kiev

No dia mais violento desde o início dos protestos na Ucrânia, em novembro do ano passado, ao menos 47 pessoas morreram ontem em Kiev. Pela primeira vez, franco-atiradores dispararam do topo de edifícios contra os manifestantes e ao menos 20 tinham buracos na cabeça e pescoço, causados por balas de fuzis. Centenas de pessoas ficaram feridas.

A violência começou quando os manifestantes avançaram contra a polícia para recuperar áreas da Praça da Inde­­pendência, no centro de Kiev. Como parte de um acordo de anistia no início da semana, a polícia havia ocupado essas áreas. Armados com tijolos arrancados das calçadas e coquetéis molotov, os manifestantes enfrentaram a tropa de choque, que reagiu com balas de borracha e munição real, ao mesmo tempo em que os franco-atiradores abriam fogo. Pilhas de pneus foram incendiadas, criando uma fumaça espessa para proteger os manifestantes dos atiradores.

Depois de três horas de batalha, os policiais acabaram recuando. Os manifestantes, que exigem a saída do presidente Viktor Yanukovich, depois que ele cedeu a pressões da Rússia e abortou o ingresso da Ucrânia na União Europeia, ocuparam vários edifícios, incluindo a Sala de Concertos de Kiev, um palacete branco estrategicamente situado sobre uma colina ao lado da praça. Assim como o Hotel Europa e uma agência bancária perto dali, a Sala de Concertos foi convertida em hospital de campanha, no qual médicos voluntários socorrem os manifestantes. Eles deixaram de ser levados para hospitais comuns porque estavam sendo levados por agentes do regime.

Dezenas de policiais foram capturados pelos manifestantes e arrastados para uma fortificação improvisada com paus e tábuas, no meio da praça. Enquanto os policiais eram levados à força, manifestantes os xingavam. O padre ortodoxo Nikolai Givailo acompanhava o grupo, pedindo que não agredisse os policiais. Os jornalistas são impedidos de entrar nesse local, que serve de QG de segurança dos manifestantes, e não se sabe que fim tiveram os policiais e outras pessoas levadas para lá, acusadas de serem agentes infiltrados do governo.

Curitiba

Comunidade ucraniana defende antecipação do pleito e relação com UE

Anderson Gonçalves

Entre imigrantes e descendentes, a comunidade ucraniana no Brasil tem cerca de 1 milhão de pessoas, 80% delas vive no Paraná. A grande maioria saiu do oeste ucraniano, historicamente mais identificado com a Europa e hoje contrário à reaproximação com a Rússia.

"A Ucrânia sofreu por décadas com o domínio russo. Não queremos que retorne ao passado e que o governo destrua o povo por questões econômicas", diz Roberto Oresten, que defende a revolta popular e é presidente da Sociedade Ucraniana do Brasil. Para ele, a Ucrânia deve crescer vinculada às nações da Europa ocidental, "mais desenvolvidas social e economicamente". O presidente da Representação Central Ucraniano-Brasileira, Vitório Sorotiuk, acredita que o problema não está nas relações internacionais da Ucrânia, mas sim no próprio país. "O sistema político engendrado não é democrático nem transparente, é um sistema inoperante", afirma.

Para ele, a solução mais viável seria a antecipação da eleição presidencial. "Isso canalizaria as tensões para a disputa democrática", avalia.

A opinião é compartilhada pelo cineasta Guto Pasko, que dirigiu documentários como Made in Ucrânia – Os Ucranianos no Paraná, sobre a imigração ucraniana. Na sua avaliação, há mais obstáculos a serem superados além do processo eleitoral. "A oposição não tem projeto nenhum e a corrupção é grande em todas as esferas.

Surpreende que essa reação popular tenha demorado tanto", afirma. Apesar disso, ele lembra que as manifestações estão sendo encabeçadas por jovens da primeira geração nascida na Ucrânia independente, o que mostra que "algo de novo está acontecendo".

Mediador

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, vai enviar um mediador para a Ucrânia, atendendo a um pedido de seu colega e aliado Viktor Yanukovich, o presidente ucraniano. O anúncio foi feito ontem pelo Kremlin. O enviado será encarregado de fazer a ponte entre governo e oposição, cuja trégua não foi respeitada pelos manifestantes e pela polícia. O mediador será Vladimir Lutkin, um "ombudsman de direitos humanos".

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