Os deuses ouviram a oferta de Theresa May de jogar-se de um vulcão e sacrificar-se para salvar o Brexit e, mesmo assim, mostraram-se indiferentes.
Os pessimistas ainda estão rejeitando o plano de saída proposto pela primeira-ministra britânica. Ninguém pode dizer o que será necessário para fechar este acordo – ou o que acontecerá a May, que prometeu renunciar, em algum momento no futuro, se o acordo for aprovado.
O Reino Unido deveria deixar a União Europeia nesta sexta-feira (29). May prometeu mais de 100 vezes que isso aconteceria. Mas em vez de os idealizadores do Brexit estarem celebrando o "Dia da Independência", os legisladores estão debatendo novamente o acordo do Brexit proposto por May.
Bom, não o plano todo – apenas o contrato de retirada de 585 páginas. Essa é a parte do tratado que enuncia, de uma maneira juridicamente vinculativa, quanto o Reino Unido pagará para deixar a União Europeia (US$ 50 bilhões), como a transição de dois anos preservará as regras para comércio e viagens (sem mudança) e como o Reino Unido e a União Europeia tratarão os cidadãos uns dos outros nesse ínterim (ninguém é expulso do país de ninguém).
O acordo de retirada também inclui o polêmico "backstop irlandês", uma garantia rígida para preservar a fronteira aberta e invisível entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda – com compensações que foram um ponto de discussão no passado.
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O Parlamento, porém, não votará nesta sexta-feira a segunda parte do tratado, a declaração política, que define as aspirações para as relações futuras no comércio, segurança e fronteiras.
A esperança, do time de May, é que o acordo de retirada por si só conquiste mais votos do que o acordo geral.
Em um sinal de como as manobras do Brexit não tendem a ir muito longe, o pensamento anterior era que a declaração política era necessária para suavizar o acordo de retirada.
Esta nova articulação funcionará melhor? Saberemos no final do dia. O governo de May está improvisando e agora vive por cada voto. Se o Parlamento aprovar um acordo de retirada até o final da semana, a União Europeia deverá prorrogar o prazo do Brexit de 12 de abril para 22 de maio. Mas o Parlamento precisa aprovar tanto o acordo de retirada como a declaração política se quiser evitar sair da União Europeia sem qualquer período de transição.
Enquanto isso, manifestantes a favor do Brexit marcharam em direção à capital nesta semana, sob a bandeira "Sair Significa Sair". Reunindo algumas dezenas de pessoas, a mobilização foi comparada com as centenas de milhares que foram à Londres para pedir um segundo referendo sobre o Brexit no último sábado (23).
Impasse na Câmara dos Comuns
Recentemente houve uma série de "votos significativos" e "votos indicativos", mas o Parlamento recusou duas vezes o acordo de retirada de May. Na quarta-feira (27), a Câmara dos Comuns não conseguiu reunir maioria simples para nenhuma de suas oito propostas para o Brexit.
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Os mesmos membros do Parlamento estão ameaçando colocar as mesmas propostas em votação na segunda-feira. É possível que eles reduzam as opções, procurando saber se a Câmara dos Comuns pode optar por um segundo referendo sobre a saída ou por um Brexit "mais suave", na mesma linha do acordo da Noruega com a UE.
Boa sorte com isso – os votos não são mandatórios e podem ser ignorados pelo governo, como os ministros de gabinete advertiram.
Os líderes da UE informam que o acordo de retirada não está aberto para mais negociações. É o que é.
Um porta-voz da Comissão Europeia tuitou na quinta-feira (28): "A Comissão tomou nota dos votos indicativos na Casa dos Comuns na noite passada. Isto faz parte de um processo político em curso no Reino Unido, que respeitamos plenamente. Contamos oito 'não' ontem à noite. Agora precisamos de um 'sim' para seguir em frente".
Charles Grant, diretor do Centro para a Reforma Europeia em Londres, passou os últimos dias assistindo a esse drama interminável, desde Bruxelas.
Em um tuíte, Grant relatou que os europeus "acham que as chances de que não haja nenhum acordo são altas, porque eles não confiam que a classe política do Reino Unido não arruinará o processo".
Na quinta-feira, o ex-secretário do Brexit Dominic Raab – que pode ser candidato ao cargo ocupado por May – disse que ainda acredita ser possível obter concessões de Bruxelas no acordo de retirada. Se não? Raab sugeriu "conversas sensatas" sobre sair sem um acordo.
Promessa de renúncia não adiantou
Muitos no Reino Unido ainda estavam criticando a promessa de May de "me apoie no acordo e eu deixo o cargo", o que levou vários conservadores – alguns dos quais cobiçam a posição de May – a sinalizar que finalmente estariam prontos para apoiar o acordo Brexit proposto pela primeira-ministra. Mas esse balanço não parece ser suficiente.
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Os Sindicalistas Democratas, o pequeno partido da Irlanda do Norte que apoia o governo de May, e é essencial para a aprovação de seu acordo, deixaram claro que o problema não é de pessoal. Eles não votarão a favor acordo.
"Continuaremos a fazer o que pudermos para obter o melhor acordo para a Irlanda do Norte", disse o vice-líder do partido, Nigel Dodds, à BBC.
Nigel Evans, um membro conservador do Parlamento, parecia resumir o humor da nação quando disse à BBC, na quinta-feira: "Tudo o que sabemos sobre o dia de amanhã é que ele se chama sexta-feira".