O papa Francisco chamou a atenção da classe política para que trabalhe por uma “justiça real” e por uma “segurança efetiva”, enquanto pediu aos bispos que tenham coragem para enfrentar o narcotráfico, ao iniciar sua agenda oficial no México neste sábado (13).
“Aos dirigentes da vida social, cultural e política, corresponde-lhes, de modo especial, trabalhar para oferecer a todos os cidadãos (...) justiça real, segurança efetiva, um ambiente saudável e de paz”, afirmou o papa argentino, na primeira visita de um sumo pontífice ao Palácio Nacional do México.
O presidente Enrique Peña Nieto recebeu Francisco na porta do Palácio, junto com membros de seu gabinete e do episcopado.
“Cada vez que buscamos o caminho do privilégio, ou do benefício de uns poucos em detrimento do bem de todos, cedo ou tarde, a vida em sociedade se torna um terreno fértil para a corrupção, narcotráfico, exclusão das culturas diferentes, violência e até tráfico de pessoas, sequestro e morte”, alertou.
Dirigida a seus anfitriões no México, um país atingido pela violência, pela pobreza e pela corrupção, a mensagem foi acompanhada por telões pelos milhares de fiéis reunidos no Zócalo, uma praça construída sobre as ruínas de templos pré-hispânicos e onde ficam a catedral e o Palácio Nacional.
Em seu discurso, o governante mexicano evitou mencionar os problemas domésticos, concentrando-se em temas globais e em deferências ao papa.
“Sua visita transcende o encontro entre dois Estados. Trata-se do encontro de um povo com sua fé. Sua santidade, o México lhe quer bem, o México adora o papa Francisco”, afirmou Peña Nieto.
A presença do papa no Palácio foi um gesto simbólico em um país devoto, mas com uma longa tradição laica e que, apenas em 1992, restabeleceu relações diplomáticas com o Vaticano.
Depois do encontro com Peña Nieto, o papa se reuniu com bispos e arcebispos mexicanos na Catedral Metropolitana, onde lhes pediu que enfrentem o narcotráfico “com coragem profética”.
“A proporção do fenômeno (do narcotráfico), a complexidade de suas causas, a imensidão de sua extensão, que devora como uma metástase, a gravidade da violência que desagrega e suas manifestações distorcidas, não nos permitem, nós, Pastores da Igreja, escondermo-nos atrás de condenações anódinas, mas exigem uma coragem profética”, declarou Francisco.
Fervor diante da Virgem de Guadalupe
Depois de um descanso na Nunciatura Apostólica, Francisco seguiu de “papamóvel” para a Basílica da Virgem de Guadalupe. Ao longo do caminho, um mar de gente balançava bandeirinhas do Vaticano e dava vivas ao pontífice.
“Francisco, irmão, você já é mexicano”, gritavam milhares de fieis, nos arredores da Basílica, na periferia da capital.
Uma multidão de pelo menos 50 mil pessoas acompanhou a missa.
O acadêmico americano Andrew Chesnut, professor de Estudos de Religiões na Universidade de Virginia Commonwealth, lembra que Francisco “é um grande devoto mariano” e explica que “a Virgem de Guadalupe não é rainha apenas no México, mas imperatriz da América”.
No santuário, o papa pronunciou uma homilia poética em homenagem à Virgem, a qual, segundo Francisco, transmite a Deus as súplicas das pessoas mais humildes e esquecidas, em um país castigado pela pobreza e pela impunidade, como o México.
“Deus se aproximou e se aproxima do coração sofredor - mas resistente - de tantas mães, pais e avós que viram seus filhos partirem, ou que lhes foram tirados, de forma criminosa”, disse o papa, referindo-se às vítimas do crime organizado.
Deus - garantiu Francisco - tem uma “predileção” por essas pessoas.
“Ninguém pode ficar de fora. Todos somos necessários, especialmente aqueles que normalmente não contam, por não estarem à altura das circunstâncias, ou por não aportarem o capital necessário para a construção das mesmas”, manifestou.
O papa também se referiu aos “jovens sem futuro, postos a um sem-fim de situações dolorosas, arriscadas” e aos idosos “sem reconhecimento, esquecidos em tantos cantões”.
A Basílica é um dos principais centros de devoção da América Latina e o mais visitado do mundo. Todo ano, pelo menos 20 milhões de pessoas visitam o santuário da Virgem de Guadalupe. A virgem teria aparecido em 1531 para um índio de origem bastante humilde, Juan Diego. É padroeira do México desde 1737, e da América, desde 1910.
Francisco havia confessado que “o desejo mais íntimo” de sua visita ao México era rezar pela terceira vez em sua vida diante de “La Morenita”.
Hoje à tarde, em silêncio por alguns minutos, o papa rezou pelo México, pelo continente americano e por todos os bons propósitos de seu pontificado.
Agenda cheia de simbolismo
A escolha das paradas do papa no México parece estar carregadas de simbolismo.
Neste domingo (14), Francisco visitará Ecatepec, uma cidade superpopulosa na periferia da capital, mergulhada na violência - especialmente no caso das mulheres.
Na segunda-feira (15), irá a Chiapas, no sul, o estado mais pobre e indígena do país, onde oficiará uma missa com trechos em três línguas indígenas: tzotzil, tzeltal e chol.
Na terça (16), segue para Morelia, capital do conturbado estado de Michoacán (oeste). Lá, em 2013, grupos de autodefesa se alçaram em armas contra os abusos do cartel de Los Caballeros Templarios.
O papa reservou a parada final para a fronteiriça Ciudad Juárez, durante anos considerada a mais perigosa do mundo e que, agora, tenta cicatrizar as feridas ainda abertas com os feminicídios e com a forte violência em que viveu.
Nela, Francisco visitará uma prisão e se despedirá de seus fiéis mexicanos com uma missa na fronteira com El Paso, cidade americana do Texas por onde milhares de imigrantes cruzam, clandestinamente, todos os anos para tentar a sorte. Muitos não conseguem chegar.
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