Chegamos aqui na sexta feira (26) como qualquer outro turista: desavisados e em busca de agito. Ouvimos falar que um furacão estava por vir, mas, conhecendo o exagero americano, não demos a mínima e fomos curtir a cidade. Aproveitamos a sexta. No sábado (27), começamos a ouvir falar em abastecimento, estocagem de comida, água... No domingo (28) cedo anunciaram a parada do metro a partir das 19 horas e percebemos que era mais sério do que parecia. Tentamos trocar as passagens e ir antes para Vegas, mas era tarde demais. Saímos de casa e o Lower East estava com cara de fim de mundo. Pouquíssimas pessoas nas ruas, comerciantes lacrando as vitrines, gente carregada de mantimentos arrastando cachorros e bicicletas para dentro de casa. Um vento tranquilo começava a varrer as folhas. Fomos até o Chelsea Market, nos abastecemos também e vimos a correria no fim de tarde, todo mundo se preparando para pegar o último metrô e ficar em casa por sabe lá quanto tempo. Aproveitamos o rush e fomos também. No metrô, vários avisos da parada, e na linha que ia até o Brooklin, os passageiros tinham que descer no último ponto de Manhattan e pegar um ônibus para chegar ao destino final. Entramos na Liquor Store comprar água, chocolates e o pouco que ainda podíamos achar nas prateleiras e voltamos para casa. Passamos a noite na janela, um vento chacoalhava as árvores, caíam umas gotas de chuva, mas nada que indicasse que estava vindo um furacão. No dia seguinte, acordamos com a notícia de que Sandy chegaria às 20 horas e, como bons turistas, não podíamos perder a oportunidade de passear um pouquinho. Com muita cautela, saímos de casa e fomos observar a vizinhança. O agitado Lower East estava bem mais quieto que o normal, absolutamente tudo fechado e as ruas quase vazias. Ainda assim encontramos algumas pessoas andando com os cachorros, correndo e até uns engraçadinhos fantasiados andando para lá e para cá.

CARREGANDO :)

No Donnybrook, o bar da esquina, uma plaquinha trazia o alívio: We’ll be open @ 2p -- eles abririam às duas horas. Decidimos esperar. Fomos os primeiros clientes e passamos o dia vendo gente chegar para passar a tarde fazendo alguma coisa enquanto esperava o furacão chegar. No fim da tarde surgiram boatos de que iriam cortar a eletricidade. Corremos para casa e, por sorte, chegamos minutos antes disto acontecer. Com a luz, foi-se a internet e para o nosso desespero, a água quente também. Choveu a noite toda, ventou bastante, mas não vimos grande coisa. De vez em quando espiávamos na janela, mas nada demais acontecia. Ainda pela manhã, nada de luz. Saímos na rua e tudo continuava fechado. Muitas folhas e galhos pelo chão, dezenas de guarda chuvas virados ao contrário, lixo por tudo. As pessoas começavam a sair, todos com um ar de alívio, mas sem nenhuma informação do que havia acontecido ou previsão de retorno da eletricidade. Andamos por quadras e alguns poucos estabelecimentos estavam abertos, com filas enormes na porta, deixando entrar um cliente de cada vez para comprar mantimentos no escuro. Uma cena que me impressionou e que eu nunca imaginei ver de novo, foi uma fila de umas vinte pessoas em um telefone público. Nova Iorquinos sem celular. Aposto que nem eles imaginavam algo parecido. Depois de um bom tempo de caminhada achamos um café aberto, com um rádio de pilha e fogareiros em cima do balcão servindo chá e café para os gratos clientes que por ali passavam. Paramos e mais tarde encontramos um restaurante vendendo sanduíches naturais também com uma super fila na porta. Morremos de rir com a conversa de dois vizinhos: "Man, I’ve never seen this place so crowded [Cara, eu nunca vi este lugar tão cheio]"

"Yeah. I guess they need more hurricanes [É, acho que eles precisam de mais furacões]" Ao cruzar com um policial perguntamos a previsão de volta de energia e ele disse que não tinham certeza, mas que haviam anunciado uma semana de falta de luz na região ao sul da 40th sreet (Soho, Tribeca, Nolita, Little Italy, Chinatown, Finatial District, West Village, Chelsea, e muitas das áreas mais movimentadas da cidade). O mesmo policial nos disse que o Brooklin talvez tivesse energia. Sem pensar duas vezes, passamos em casa, pegamos computadores, celulares, ipads e tudo o que precisávamos carregar e fomos em direção ao Brooklyn. As pessoas na rua brigavam por táxis e acabamos indo a pé. Atravessando a ponte de Williansburg, tudo o que se via eram pessoas que iam perguntando para as pessoas que vinham se o Brooklyn tinha energia. Surpresos, eles respondiam que sim, pois não tinham idéia do que estava acontecendo do lado de cá. Chegando lá, fomos a um café que tinha wi-fi e passamos a tarde acalmando as pessoas do Brasil e tendo notícias que faziam o caminho inverso e vinham daí para cá. Na volta, atravessando a ponte vimos Manhattan dividida em dois, a parte clara e a parte escura. Cena de filme. Fomos para casa tomar banho de caneca e pegar um táxi para ir jantar no Upper East, que, além de ter luz elétrica, tinha comida de verdade. À noite pegamos um taxi até Midtown, e no caminho vimos áreas inundadas, corredores de prédios imensos no escuro, iluminados apenas pelos giroflex dos carros de polícia, estacionados de quadras em quadras. Muitos carros de bombeiro, serviços de fossa e gente tentando reparar os estragos o quanto antes. Pelo que ouvimos, o estrago foi grande. Mas, por sorte, na área onde estamos não aconteceu grande coisa. Agora estou, como muitos outros aqui, sentada no chão do Moma [Museu de Arte Moderna de Nova York], carregando meus equipamentos e aproveitando a internet grátis. Parece que a energia volta em quatro dias. Nós trocamos o voo para Las Vegas para quinta-feira, as 21h20.

Publicidade

* Cris França é curitibana e produtora de eventos­­.