A policial Marcela Muñoz aproximou-se de um grupo de moradores cautelosos reunidos em uma calçada de um bairro de classe média com uma missão incomum: ouvir.
"Então, o que está acontecendo?", Muñoz perguntou às duas dezenas de pessoas que haviam sido convidadas para conhecê-la. "O que tem acontecido ultimamente?"
Durante uma hora, enquanto cada um contava suas preocupações como o tráfico de drogas, o vandalismo e as bebedeiras em propriedades públicas, ela anotou suas queixas. Quando foi embora, depois da promessa de enviar mais carros de patrulha para a área, ganhou uma salva de palmas e um convite para voltar para comer tamales (prato da culinária mesoamericana, semelhante à pamonha).
"Estamos aqui para ajudar", disse ela, pedindo que a multidão mantivesse contato através de um grupo no WhatsApp.
No México, a polícia, muitas vezes mal paga e mal treinada, é frequentemente temida ou motivo de desconfiança. A população vê os policiais não só como incapazes de combater a violência crônica do país, mas também como sua causa – na melhor das hipóteses, como cúmplices de infrações rotineiras, como exigir suborno em inspeções de trânsito e, na pior das hipóteses, como pessoas cooptadas por gangues criminosas.
Isso é particularmente evidente no estado de Michoacán, marco zero da guerra às drogas do México. Nesse contexto, o bate-papo amigável de Muñoz com os moradores locais e sua abordagem prática foram quase extraordinários.
A reunião com os membros da comunidade é parte de um esforço de Bernardo León, professor e escritor que se tornou comandante da polícia, para transformar os policiais de Morelia em uma força qualificada que seja bem recebida pelos moradores locais. Em três anos, o programa mostrou resultados.
Em 2017, o ano mais mortífero do México em décadas, as mortes também aumentaram em Michoacán. Mas em Morelia, a capital do estado, o número de vítimas de homicídio diminuiu 18% em comparação com o ano anterior. Em pesquisas do governo, a população também relatou se sentir muito mais segura.
Programa
Apesar de um aumento no número de mortes nos primeiros seis meses deste ano, especialistas argumentam que a experiência de Morelia com o policiamento comunitário deve fazer parte de uma estratégia de segurança nacional mais ampla.
O programa tornou a força policial mais "sólida e resiliente", diz Rodrigo Canales, professor da Escola de Administração de Yale, que está liderando um estudo sobre as forças policiais no México juntamente com o Instituto Mexicano para a Competitividade. "Eles estão apenas começando, mas estão definitivamente no caminho certo", acrescenta.
León, que trabalhou como assessor de segurança do presidente Vicente Fox, afirma que a tarefa de mudar o relacionamento da polícia com a população – e sua percepção sobre a polícia – costumava ser assustadora.
Casos emblemáticos, como o desaparecimento de 43 estudantes que foram atacados por policiais ligados a uma gangue de traficantes em 2014, traumatizaram os mexicanos e mancharam a imagem dos agentes da lei.
León se inspirou nos esforços do policiamento comunitário dos Estados Unidos, bem como na estratégia das "janelas quebradas" defendida por William J. Bratton, o comissário de polícia de Nova York que reprimiu os crimes menores nos bairros para melhorar a qualidade de vida.
Leia também: Como Nova York acabou com sua Cracolândia
Uma força policial local como a de Morelia "não pode realmente resolver o problema dos cartéis", diz León, que foi nomeado para o cargo em 2015. "O que podemos fazer é lidar com as questões que as pessoas comuns enfrentam todos os dias".
Para isso, recrutou psicólogos, advogados e assistentes sociais e os treinou para mediar conflitos locais e domésticos. Também inaugurou centros para vítimas que oferecem assistência médica e psicológica, tudo sob a orientação de Muñoz, que dirige esses centros, e sua equipe, formada por números quase iguais de homens e mulheres.
Ter oficiais do sexo feminino para lidar com os frequentes casos de violência doméstica foi crucial, pois as vítimas muitas vezes se sentem mais à vontade para falar com outras mulheres sobre o abuso que sofreram.
Para lidar com atrasos devidos à burocracia, ele introduziu novos tribunais civis para contravenções. Lá, os cidadãos acusados de crimes menores podem pagar multas e receber sentenças que incluem a realização de serviços comunitários ou a participação em reuniões dos Alcoólicos Anônimos.
Mais significativo, porém, talvez seja o fato de León ter dado aos cidadãos a possibilidade de fazer suas reclamações criminais na hora ao oficial presente em vez de ter que se apresentar em pessoa a um promotor local – uma exigência demorada que fazia com que muitos mexicanos evitassem denunciar crimes. Segundo o Instituto Nacional de Estatística e Geografia do México, 92% dos crimes não são denunciados no país.
Sob as novas regras, o número de crimes denunciados à polícia em Morelia subiu de 435, em 2016, para mais de cinco mil em 2017.
Avaliações
Embora especialistas reconheçam os efeitos do modelo, alguns argumentam que o sucesso recente de Morelia não pode ser reproduzido, já que deve ser, em parte, explicado pelo papel das forças armadas na proteção da cidade contra poderosas gangues de drogas que foram confinadas principalmente às áreas rurais. O exército chegou a Michoacán pela primeira vez doze anos atrás, e a operação foi ampliada no ano anterior à nomeação de León.
A proteção oferecida pela intervenção federal permitiu que León construísse a força policial de acordo com sua visão, diz Eduardo Guerrero, analista de segurança da Cidade do México que estuda Michoacán.
"A maioria dos chefes de polícia herda grandes forças repletas de problemas significativos, com muitos policiais já trabalhando para gangues de drogas locais", explica Guerrero. "Morelia não é o México".
Com a saída de León, não está claro se o programa será mantido. Esse tipo de rotatividade é comum e continua sendo um dos maiores problemas no estabelecimento de uma política de segurança consistente no México.
"Não há atalhos para transformar as corporações policiais ou lidar com o crime", afirma Canales, o professor de administração. "Você tem que dar tempo para que esses esforços amadureçam e floresçam".
No entanto, pelo menos algumas das mudanças que ocorreram nos últimos três anos vão permanecer.
Em uma manhã recente, a policial Jessica Gutiérrez dirigiu-se a uma sala de aula de uma escola primária cheia de crianças e seus pais: "Estamos aqui para protegê-los e ajudá-los, não para ferir vocês", disse ela.
Psicóloga de 26 anos, ela sonhava em se tornar "uma super-heroína da vida real", uma policial que manteria os cidadãos fora de perigo. Um ano e meio atrás, porém, quando contou a sua família que queria frequentar a academia de polícia, eles rejeitaram e ridicularizaram a ideia, contou ela.
"Agora, me chamam o tempo todo para ajudá-los a resolver todos os tipos de problemas", disse.