O diplomata Mohamed ElBaradei trabalha hoje para a escrita de uma Constituição no Egito, consciente de que os eventos no país que viveu sob a ditadura de Hosni Mubarak durante três décadas terão impacto em todo o mundo árabe.
Prêmio Nobel da Paz em 2005, ElBaradei está no Brasil esta semana para realizar as últimas conferências do ciclo Fronteiras do Pensamento, em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Na capital paulista, o ex-diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), entidade que monitora o uso de energia nuclear no planeta, conversou com jornalistas no auditório da Livraria da Vila, no shopping Pátio Higienópolis.
"A grande questão do Egito hoje é a Constituição", diz ElBaradei. "Todos os pontos de vista têm de ser considerados, mas algumas questões não podem ser comprometidas, como a liberdade de expressão e a liberdade de religião." Para ele, as pessoas estão "condenadas a viver juntas e têm de aprender os meios para isso". No caso da Constituição, lados opostos precisam concordar com um documento único e aceitar viver sob o que está determinado nele.
A maior realização da Primavera Árabe, de acordo com ElBaradei, foi o fim do medo. "Eles [os egípcios] não têm mais medo de falar", diz. A transição de poder no país, no entanto, foi "terrível", "caótica" e criou "uma sensação de abandono", nas palavras dele.
"A esperança expressada pela Primavera Árabe tem de ser protegida", diz ElBaradei. Uma forma que ele encontrou de protegê-la foi ajudar os jovens que participaram dos protestos na Praça Tahrir (e, por jovens, ele se refere a pessoas na faixa dos 30 e 40 anos) a se organizar politicamente. Para tanto, ele fundou o Partido da Constituição. "Eles [os manifestantes egípcios] não tinham um plano B para administrar o que viria depois", diz, se referindo ao fim da ditadura de Mubarak.
O diplomata diz esperar que os jovens do país consigam ter influência política, conquistando uma "maioria relevante". "Todo mundo tem de trabalhar junto", afirma, incluindo aí a Irmandade Muçulmana do atual presidente egípcio Mohamed Mursi.
Ao falar sobre o processo democrático no Egito, ElBaradei se refere a ele como um "work in progress", um trabalho que não acaba nunca, mesmo em países que são democráticos há séculos, e cita os EUA como exemplo.
Energia atômica
O egípcio trabalhou por duas décadas na AIEA e foi diretor-geral da agência durante mais da metade desse tempo. Nesse período, contestou os documentos usados pelos Estados Unidos para justificar a invasão americana no Iraque. O governo de George W. Bush afirmou que Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa -- alegação que, mais tarde, se revelou equivocada.
Hoje, falando sobre o Irã, uma situação que parece ter paralelos com o incidente iraquiano no diz-que-diz, não hesita: "Ninguém me convence de que o Irã é um perigo". Sobre o risco de uma intervenção militar, o diplomata diz que seria "um desastre completo". "Espero que não ocorra, não vejo motivo."
A relação do Irã com a comunidade internacional (sobretudo Israel e EUA) não é uma questão de ação militar, mas, sim, de confiança. "As discussões envolvendo o poderio nuclear fazem parte de uma competição", explica. "O Irã tem muita influência em construir a estabilidade no mundo árabe e quer ser reconhecido como um grande poder regional."
Os falatórios de ambos os lados, as ameaças de bombardeio, a ideia dos EUA como o "grande satã" e do "eixo iraniano do mal" não seriam nada além de pressão política.