Nem o presidente americano, Donald Trump, nem o da Coreia do Sul, Moon Jae-in. O Prêmio Nobel da Paz deste ano foi concedido, nesta sexta-feira (5), a duas figuras que lutam pelo fim da violência sexual em conflitos armados.
Denis Mukwege, ginecologista congolês, e Nadia Murad, iraquiana que teve coragem de relatar o seu sofrimento e de outras mulheres nas mãos do Estado Islâmico, são testemunhas de como o abuso de mulheres frequentemente ocorre em conflitos e guerras.
Mukwege tratou milhares de vítimas de estupro coletivo em um hospital na República Democrática do Congo, onde é diretor. Ele tem condenado repetidamente a impunidade por estupros coletivos e criticado o governo congolês e de outros países por não fazerem o suficiente para impedir o uso da violência sexual contra as mulheres como estratégia e arma de guerra. Por seu trabalho, ele ganhou o apelido de "o homem que remenda as mulheres".
Murad se tornou uma ativista declarada no combate à escravidão sexual e ao tráfico de pessoas. Ela é uma das cerca de 3.000 meninas yazidis e mulheres que foram vítimas de estupro e outros abusos sistemáticos, usados como parte de uma estratégia militar pelo exército do Estado Islâmico. Depois que conseguiu fugir dos terroristas, Murad preferiu falar abertamente sobre o que sofrera. Em 2016, com apenas 23 anos, ela foi nomeada a primeira Embaixadora da Boa Vontade da ONU para a Dignidade de Sobreviventes do Tráfico Humano. Também publicou um livro de memórias intitulado “The Last Girl” (a última menina).
“Ela demonstrou coragem incomum ao relatar seus próprios sofrimentos e falar em nome de outras vítimas”, tuitou o perfil oficial do prêmio Nobel.
"Queremos enviar uma mensagem de conscientização de que as mulheres, que constituem a metade da população na maioria das comunidades, são usadas como armas de guerra – e que precisam de proteção", disse Berit Reiss-Andersen, presidente do conselho norueguês do Nobel. “Proteger as mulheres e responsabilizar os perpetradores é um ‘pré-requisito para uma paz duradoura’", completou ela.
Questionada se o prêmio Nobel da Paz de 2018 era um aceno ao movimento #MeeToo, Reiss-Andersen disse que os crimes de guerra e o movimento que nasceu nos EUA não são a mesma coisa, mas que têm em comum o fato de lançarem um olhar sobre o sofrimento das mulheres, os abusos praticados contra elas. “É importante que mulheres deixem para trás o conceito de vergonha e falem”.
O prêmio que eles vão dividir é de 9 milhões de coroas suecas, o equivalente a US$ 1,01 milhão ou R$ 3,9 milhões, que será entregue em uma cerimônia em Oslo em 10 de dezembro. Segundo o comitê do Nobel, Murad e Mukwege só ficaram sabendo que receberam o prêmio no momento do anúncio – algo incomum, já que geralmente a instituição entra em contato com os laureados pouco antes do anúncio. “Tentamos entrar em contato com os vencedores e não conseguimos falar por telefone. Se eles estão nos assistindo, meus sinceros parabéns", falou Reiss-Andersen.
Outros candidatos
De acordo com o Comitê Norueguês do Nobel, que concede o Nobel da Paz, 331 candidatos concorreram ao prêmio de 2018, dos quais 216 eram indivíduos e 115, organizações – o segundo maior número de todos os tempos. O recorde foi em 2016, com 376 concorrentes.
Os nomes dos indicados para o Prêmio Nobel da Paz não podem ser divulgados em até 50 anos, mas anualmente a revista Time faz uma lista com os favoritos. O ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, e o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, foram os primeiros citados, devido a seus esforços em alcançar a paz na península coreana. Mas a revista também salientou que seria muito difícil que o comitê do Nobel ignorasse os abusos aos direitos humanos cometidos pelo regime norte-coreano, onde, estima-se, existem 2,6 milhões de ‘escravos modernos’.
Outro nome, um dos favoritos nas casas de aposta do Reino Unido, é o do presidente americano Donald Trump, também devido aos seus esforços em estabelecer relações diplomáticas de alto nível com a Coreia do Norte e em acabar com a Guerra da Coreia.
Também estavam na lista da Time o ex-presidente da Catalunha, Carles Puigdemont, que declarou independência da região da Espanha no ano passado, o papa Francisco, Raif Badawi, blogueiro saudita que foi preso em 2012 acusado de “insultar o islã através de canais eletrônicos”, e as instituições União Americana das Liberdades Civis (Aclu), que atua nos casos de separação de famílias de imigrantes na fronteira sul dos EUA, e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), pela ajuda prestada àqueles que estão fugindo de regiões de guerra e de perseguições.
Nobel 2018
Três prêmios Nobel já foram anunciados neste ano.
A descoberta da imunoterapia contra o câncer recebeu o Nobel de Medicina. Trata-se de uma estratégia que remove o “disfarce” dos tumores para que o próprio organismo lute contra a doença.
Os pesquisadores Arthur Ashkin, Gérard Mourou e Donna Strickland receberam o Nobel de Física por seu trabalho para transformar lasers em ferramentas poderosas. Strickland é a primeira mulher a ganhar o prêmio de física desde 1963.
E o Nobel de Química foi concedido a Frances Arnold, George Smith e Gregory Winter por utilizarem em suas pesquisas princípios básicos da evolução biológica por seleção natural para desenvolver novas moléculas e produtos in vitro.
Na próxima semana será anunciado o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel, apelidado como Nobel de Economia, na segunda-feira (8). O Nobel de Literatura de 2018 será anunciado somente em 2019, devido ao envolvimento da Academia Sueca, que concede o prêmio, em um escândalo de assédio sexual.
Quem recebeu o Nobel da Paz nos últimos 10 anos
- 2017: Campanha Internacional para a Abolição de Armas Nucleares
- 2016: Juan Manuel Santos, então presidente da Colômbia
- 2015: Quarteto para o Diálogo Nacional da Tunísia
- 2014: os ativistas Malala Yousafzai e Kailash Satyarthi
- 2013: Organização para a Proibição de Armas Químicas
- 2012: União Europeia
- 2011: as ativistas Ellen Johnson Sirleaf, Tawakel Karman e Leymah Gbowee
- 2010: ativista Liu Xiaobo
- 2009: Barack Obama, então presidente dos EUA
- 2008: diplomata finlandês Martti Ahtisaari
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