Kim Seong-cheol é um sobrevivente. Ele deixou a casa na Coreia do Norte aos 8 anos para levar uma vida mendigando nas ruas com um bando de garotos quando a fome batia e os pais não podiam alimentá-lo. Segundo conta, passou várias vezes pelas prisões chinesas e norte-coreanas quando tentava entrar na China.
Quando finalmente entrou na Coreia do Sul e conquistou a liberdade, Kim encarou um obstáculo que nem mesmo a malandragem das ruas poderia ajudar a vencer. Ele foi colocado numa universidade graças a um novo programa de ação afirmativa, mas era assombrado pelas privações do passado e rapidamente ficou para trás em relação aos colegas sul-coreanos, já acostumados à panela de pressão do sistema educativo local.
"Eu simplesmente não conseguia me livrar da lembrança da fome", afirmou Kim, 26 anos, que abandonou a faculdade no primeiro semestre e caiu de cabeça numa depressão profunda alimentada pelo álcool.
Kim faz parte de um número crescente de desertores que fogem para o país vizinho o total aumentou sete vezes, chegando a 23 mil na década passada e representa um desafio crescente para a Coreia do Sul. As tentativas de integração, incluindo cursos intensivos oferecidos pelo governo sobre a vida no agressivo sul capitalista, têm tido resultados ambíguos, deixando muitos incapazes de derrotar o estereótipo de primos atrasados do interior.
O governo tinha esperança de que poderia vencer o abismo pela educação, oferecendo iniciativas graduais ao longo da última década que se transformaram num programa de ação afirmativa completa, dando aos jovens norte-coreanos a chance de saltar o duro processo vestibular das universidades principais. Agora, até mesmo as medidas para vencer a lacuna parecem fracassar conforme um grande número de norte-coreanos abandona os estudos.
"Esses alunos não estão preparados para a sociedade ferozmente competitiva da Coreia do Sul", disse Shin Hyo-sook, especialista em educação da Fundação para Refugiados Norte-Coreanos, recém-criado instituto de pesquisa governamental para lidar com os norte-coreanos que mudam para lá.
As dificuldades existem apesar de o governo e as universidades tentarem auxiliá-los, oferecendo cursos gratuitos, alojamento pago pelo governo e pensão para os cerca de 500 desertores matriculados em universidades sul-coreanas. E, provavelmente, os problemas devem se tornar mais pronunciados conforme os desertores incluem famílias inteiras e filhos que partem sem os pais.
Muitos sul-coreanos achavam que ter idioma e cultura em comum ajudaria os desertores a vencer com facilidade as lacunas educacionais, mas os imigrantes sustentam que a ajuda extra não basta para alcançar os colegas sul-coreanos, que passam as noites e fins de semana da infância em escolas lotadas se preparando para o vestibular. A maioria dos norte-coreanos desertores estudou no máximo alguns anos no primário e a educação era mais voltada à doutrinação política do que à leitura ou matemática.
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