Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos e a União Soviética levavam sua disputa geopolítica para o esporte: os dois países brigavam acirradamente pela liderança do quadro de medalhas dos Jogos Olímpicos, mas a rivalidade extrapolava as competições nas arenas esportivas.
Em 1980, os Estados Unidos e outros países decidiram não enviar atletas para a Olimpíada de Moscou, em razão da invasão soviética ao Afeganistão. Quatro anos depois, os soviéticos deram o troco, boicotando (assim como outros países comunistas) os Jogos Olímpicos de Los Angeles.
Nos últimos anos, com o crescimento das tensões geopolíticas entre o Ocidente e China e Rússia, tem se falado em nova Guerra Fria. Com os russos banidos das principais competições internacionais, devido a escândalos de doping e à invasão de 2022 à Ucrânia, restou aos chineses o antagonismo solitário com os Estados Unidos.
Na Olimpíada de Tóquio, em 2021, os chineses ficaram apenas um ouro atrás dos americanos (38 a 39), líderes no quadro de medalhas. Porém, assim como ocorria na rixa Estados Unidos x União Soviética, a rivalidade vai além de pistas, gramados, piscinas e quadras.
Nos Jogos de Inverno de Pequim, no início de 2022, os americanos promoveram um boicote diplomático contra o evento. Ou seja, atletas do país competiram na capital chinesa, mas a gestão Biden não enviou representantes para a Olimpíada.
Os motivos alegados por Washington foram a repressão da China contra os uigures em Xinjiang e outras violações de direitos humanos. Outros países, como Reino Unido, Canadá e Austrália, se juntaram ao boicote diplomático aos Jogos de Pequim.
“A representação diplomática ou oficial dos Estados Unidos seria tratar esses Jogos como normais em face dos flagrantes abusos dos direitos humanos e atrocidades da República Popular da China em Xinjiang, e simplesmente não podemos fazer isso”, afirmou a então secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki.
À época, a China disse que “os Estados Unidos só querem politizar o esporte, criar divisões e provocar confrontos”.
No início deste mês, poucas semanas antes da cerimônia de abertura da Olimpíada de Paris (que será no próximo dia 26), a disputa ganhou um novo ingrediente.
O Departamento de Justiça dos Estados Unidos abriu uma investigação sobre o caso de 23 nadadores chineses que foram reprovados em testes antidoping em 2021. Onze desses atletas participarão dos Jogos de Paris, segundo informações da agência Associated Press.
Os nadadores ganharam três medalhas de ouro para a China na Olimpíada de Tóquio em 2021 – apesar de terem “caído” no teste antidoping, eles foram autorizados a competir no Japão porque a Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês) se recusou a contestar uma alegação da China de que os resultados deram positivo devido à contaminação de alimentos consumidos pelos atletas num hotel.
Em maio, um comitê da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos havia pedido que o Departamento de Justiça abrisse uma investigação com base na Lei Rodchenkov, promulgada pelo então presidente Donald Trump em 2020.
A lei estabelece que processos criminais podem ser abertos pelos Estados Unidos contra pessoas e organizações de qualquer nacionalidade envolvidas em casos de doping em competições com participação de atletas americanos, transmissão ou patrocínio de empresas do país, independentemente de onde sejam realizadas.
A divulgação da notícia da investigação americana sobre os nadadores chineses revoltou Pequim.
“Pedimos aos Estados Unidos que respeitem o espírito olímpico, cumpram o direito internacional e as normas básicas das relações internacionais, parem de falar sozinhos e se abstenham de falsas narrativas criadas artificialmente”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da ditadura chinesa, Lin Jian.
Nos locais de competição ou fora deles, os Jogos de Paris devem ser cenário de mais capítulos dessa rivalidade.