Mesmo antes da Covid-19, Nova Jersey já enfrentava grandes desafios, com a dívida pressionando o orçamento para baixo, uma economia arrastada e impostos, de renda e de propriedade, levando a um contínuo êxodo do estado. Mas a pandemia atingiu Nova Jersey ainda mais forte: o estado possui a maior taxa de óbitos per capita pelo vírus e o déficit gerado pela Covid é maior que o da maioria das outras localidades.
Mesmo assim, por algum motivo, em meio a esses desafios, os governantes decidiram que a legalização da marijuana – com todos riscos e incertezas que isso envolve – deve ser uma prioridade. Os apoiadores alegam que isso ajudaria no orçamento, na justiça social e até mesmo em programas de empregos para minorias. Ocorre que nos estados que já legalizaram a maconha, poucos desses benefícios se materializaram na medida em que são propagandeados. Enquanto os malefícios, do aumento da criminalidade ao crescimento do mercado negro, são visivelmente aparentes. Para piorar, oficiais de saúde têm alertado por meses para os perigos de fumar – incluindo fumar maconha – em um mundo que ainda lida com uma pandemia de uma doença respiratória. O que os representantes de Nova Jersey estão pensando?
Alguns dos principais democratas em Jersey, como o governador Phil Murphy, têm tentado legalizar a maconha há três anos. Agora, estão mais determinados do que nunca, mesmo que em seu partido ainda haja céticos quanto à legalização. Legisladores ligados a minorias se preocupam com o impacto que a maconha legalizada possa ter em suas comunidades.
O senador Ron Rice, de Newark, um ex-policial negro na maior cidade do estado, e uma coalizão de líderes de igrejas apontam que muitas comunidades em subúrbios de Nova Jersey já votaram contra a permissão de venda de maconha em suas cidades. Assim, o comércio legal provavelmente se concentraria em áreas urbanas. Os republicanos, muitos deles representantes dessas comunidades de subúrbios, também são contra a legalização. Como alternativa à criação de uma indústria legal, financiada por grandes investidores e com um marketing sofisticado para o cannabis, o governador Rice propôs descriminalizar a maconha para que usuários não sejam legalmente processados. Seu projeto de lei, porém, não ganhou muito apoio em círculos democratas.
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Os apoiadores da legalização estão tentando uma estratégia que já se mostrou bem-sucedida em outros nove estados: plebiscito. No caso de Nova Jersey, isso seria feito por meio da Public Question 1 (Pergunta Pública Um), a aparecer no “tíquete” (no Brasil, seria o equivalente a aparecer para votação na urna eletrônica durante as eleições) como uma emenda constitucional (do estado) no dia 3 de novembro (data das eleições presidenciais). Defensores da legalização argumentam que apenas a completa legalização alcançaria seus objetivos de justiça social e compensaria os danos que eles alegam terem sido causados às minorias por conta de anos de prisões e processos contra usuários de maconha. Com a legalização, eles dizem, o estado colocaria um fim ao mercado negro de maconha e da violência que o acompanha, além do surgimento de uma nova indústria que pode alavancar o crescimento econômico em comunidades de minorias.
“As pessoas querem justiça econômica, criação de empregos e equidade, e essas coisas só podem ser alcançadas por meio da legalização”, diz Amol Sinha, que está liderando a campanha pró-legalização e é a líder da divisão de Nova Jersey da America Civil Liberties Union (União pelas Liberdades Civis nos Estados Unidos, em tradução livre).
É uma narrativa atraente. Em pesquisa realizada na última primavera (outono, no Brasil), cerca de 61% dos eleitores de Nova Jersey disseram que apoiariam a iniciativa da legalização. O motivo mais dado foi acabar com o mercado negro, seguido de promessas de novos empregos e maior arrecadação de impostos.
Mas a maconha recreativa já é legal em várias localidades, e está claro que a legalização raramente traz as consequências que os eleitores imaginam. O equívoco mais comum em relação à legalização é que o tráfico de drogas acabará, enquanto em alguns estados o exato oposto ocorreu: o mercado ilegal cresceu, e a violências ligada ao tráfico também. O Colorado foi um dos primeiros estados a legalizar o uso recreativo de maconha. Dois anos atrás, o procurador federal Bob Troyer escreveu um perturbador artigo de opinião no Denver Post sobre a guerra contra o tráfico que estava em curso no estado: “otráfico no Colorado na verdade explodiu após a comercialização; nos tornamos um estado fornecedor, um centro de operações para cartéis internacionais e organizações de lavagem de dinheiro de Cuba, China, México e outros lugares”.
Ele também apontou que a indústria legal dos estados estava produzindo, anualmente, toneladas de maconha que não eram contabilizadas e que aparentemente chegavam ao mercado negro, onde eram vendidas por um preço menor do que drogas regulamentadas e taxadas pelo governo. Apenas em 2017 o escritório de Troyer encontrou mais de 80 mil plantas ilegais de maconha, todas elas destinadas ao mercado negro, sendo cultivadas em território federal, no Colorado. Mesmo após a legalização, o mercado ilegal continuou tão atraente que autoridades pegaram donos de redes de lojas de maconha fornecendo para o tráfico.
Em 2018, no Oregon, que legalizou a maconha em 2012, autoridades federais, prenderam uma quadrilha que, além do tráfico de maconha, era acusada de sequestro, lavagem de dinheiro e posse ilegal de armas. O negócio continuou bombando mesmo quando estoques de maconha legal não eram comprados, levando a uma super oferta de maconha equivalente a 1 bilhão de cigarros.
Com o mercado negro, há também violência contínua, já que as gangues lutam por fatias de um mercado que ainda é lucrativo. Em audiências em Rice, em Nova Jersey, em 2018, um capitão da polícia de Las Vegas testemunhou que a violência relacionada ao tráfico de drogas havia aumentado desde que o estado legalizou a maconha: “em 2017, homicídios ligados a disputas por drogas cresceram 21% quando comparados a 2016. A marijuana foi a causa da disputa em 53% desses casos. Em 2017, 58% de todos assassinatos ligados a drogas envolviam marijuana”, disse o capitão Todd Raybuck.
Fato semelhante aconteceu em Denver. Lá, um oficial da polícia local disse à imprensa que cultivadores ilegais se escondiam dentro do mercado legal, lutando por uma fatia dele. “Em 2017, tivemos sete homicídios diretamente conectados a cultivadores de maconha. Eu adoraria poder destinar alguns dos meus recursos para setores diferentes da marijuana, mas no momento a violência é sobre marijuana ou relacionada à marijuana”, disse o oficial Andrew Howard.
O absurdo do que acontece após a legalização é talvez melhor epitomizado pelas demandas feitas pelos vendedores legais na Califórnia. Eles apresentaram a legalização como forma de dar fim à guerra às drogas, mas quando o mercado negro não definhou após maconha se tornar um negócio legal, os vendedores licenciados pelo estado demandaram uma nova guerra aos entorpecentes.
“Nós somos taxpayers [o equivalente português do termo ‘taxpayer’ é contribuinte, mas ele não captura completamente o escopo da palavra em inglês, que pode ser traduzida de forma literal como ‘pagador de impostos’]. Mais ninguém deveria estar operando [nesse mercado]”, reclamou um cultivador licenciado em uma matéria do New York Timessobre o pujante mercado ilegal de maconha. De forma apropriada, autoridades locais disseram não ter certeza se queriam começar uma nova guerra à maconha contra cultivadores ilegais.
A persistência do mercado negro também enfraquece a ideia de que uma indústria legal de maconha geraria um boom de empregos para comunidades de minorias e fortaleceria pequenos empreendedores que nelas operam. Os principais vencedores da legalização são as grandes companhias, capazes de arcar com os investimentos em larga escala que permitem operações eficientes e com preços em condições de competir com o mercado negro. É por isso que temos visto o crescimento do que é chamado de Big Marijuana(trocadilho com o termo Big Tech - grandes empresas de tecnologia) – uma indústria comandada pelo interesse de investidores muito bem-financiados para promover a maconha e expandir sua base de clientes. Para conseguir a legalização em outros lugares, eles já gastaram mais que oponentes da legalização em uma margem de quatro para um.
Ao mesmo tempo, o uso crescente de maconha após a legalização torna usuários menos “empregáveis”. Independentemente do que os eleitores de Nova Jersey decidirem, muitas indústrias continuarão, por motivos de segurança, a testar os candidatos para vagas de emprego para o uso de marijuana. Dentre as indústrias que fazem esses testes, estão a de construção civil, saúde e transporte público. Leis federais também exigem que empresas com contratos firmados com o governo americano testem seus trabalhadores.
Estudos têm mostrado que trabalhadores que usam maconha regularmente têm tendência maior de causar acidentes no local de trabalho, o que coloca colegas de serviço em risco e aumenta os custos para o empregador. Além disso, uma pesquisa concluiu que trabalhadores usuários regulares são menos comprometidos com seu trabalho em comparação com não-usuários. Outra pesquisa descobriu que um em cada quatro trabalhadores que fumam maconha em estados onde isso é permitido admite já ter ido trabalhar “chapado”. Após a legalização, o problema no Colorado se tornou tão grande que uma das principais construtoras do estado disse estar contratando trabalhadores de fora do Colorado e que passam em testes para o uso de drogas.
Nova Jersey enfrenta todos esses riscos para o que pode ser, na melhor das hipóteses, um modesto aumento no orçamento. O Legislativo estima que, caso a maconha seja legalizada e o mercado esteja 100% “maduro”, o impacto no orçamento seria de cerca de US$ 126 milhões a mais na arrecadação, que hoje é de cerca de US$ 40 bilhões. Mesmo assim, o modelo adverte que pode levar anos para que esse modesto número seja alcançado, enquanto os riscos, incluindo de saturação do mercado caso outros estados também legalizem a marijuana, se mantêm.
Junto com essas potenciais consequências graves, os moradores de Nova Jersey deveriam se espantar que legisladores estejam propondo a legalização no meio de uma pandemia causada por uma doença respiratória. Em abril, o National Institute on Drug Abuse (Instituto Nacional contra o Abuso de Drogas, em tradução livre) alertou que fumar “pode ser uma ameaça séria”, porque essas atividades podem causar danos ao pulmão. Talvez mais importante ainda seja a pesquisa científica que descobriu que a cannabis é um imunossupressor, tornando usuários mais suscetíveis a determinadas doenças.
Mesmo no melhor dos tempos, a legalização da maconha é um caminho questionável para um estado seguir, um caminho que deve incluir uma análise considerável do que aconteceu em outros lugares. Legalizar a marijuana agora, enquanto o mundo enfrenta uma doença infecciosa e mortal, é uma das propostas mais contraprodutivas e desconcertantes que o estado já propôs nas últimas décadas.
©2020 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês.
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